« (...) Há algo de cruel em dar nomes estrambólicos aos filhos numa idade em que eles não se podem defender. Mas nada supera o de um sujeito que apareceu há tempos no futebol e que já se evaporou: Credence. (...)»
Os Alexandres brasileiros podem ser Alessandros, Alexandros, Alexanders, Aleksandros e Alekxandres, e todos se tornam Alex, Sandy ou Xande. Os Diegos também abundam, principalmente no futebol — não há equipa no Brasil que não tenha pelo menos três. E os nossos Filipes, que deveriam ser Filipes, são quase sempre Felipes, com “e”. Isso é coisa exclusiva de brasileiro, porque os Filipes portugueses, franceses, espanhóis e ingleses sempre foram autenticamente Filipes, com i — de Philippe III, o Ousado, rei da França em 1270, passando por Philippe IV, o Belo, também rei da França em 1285, e seu filho Philippe V, o Longo, rei de um monte de lugares em 1294, até Philippe I, o Formoso, rei de Castela e dos Países Baixos em 1500, e Philippe III, o Esbanjador, rei de Espanha e de Portugal em 1620, sem falar no falecido príncipe Philip, duque de Edimburgo e marido da rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Se algum deles fosse Phelipe, Phelippe ou Phellippe, como os nossos (sim, os temos), seria destronado, besuntado com alcatrão, coberto de penas e mandado a reinar na Cochinchina — ou no Brasil.
Com a quantidade de brasileiros hoje em Portugal, os portugueses devem estar indo à loucura com os nomes que de repente passaram a ouvir. Quem imaginou, por exemplo, ouvir tantos nomes terminando em son? Exceto os Edsons, Wilsons e Nelsons, que sempre os tivemos, só havia até há pouco um ou outro Jefferson ou Edmilson. Hoje pululam os Joílson, Jobson, Joelson, Harson, Revson, Kleberson, Anderson, Vanderson, Jadilson, Emerson, Ibson, Athirson, Edilson, Valdson, Liedson, Tailson, Denilson, Lenilson, Ademilson, Richarlyson, Whindersson e até Claudemirson.
Por acaso são todos nomes de jogadores de futebol, como se os seus pais, já prevendo uma futura carreira para os garotos nas quatro linhas, lhes sapecassem esses nomes, sem os quais um menino não chega hoje nem aos dentes de leite de um clube. Mas não é assim — todas as categorias profissionais, do ladrão de galinhas ao ministro de Estado, estão infestadas de sons.
Veja bem, nada contra isso, e quem quiser se chamar Glelberson, que o faça. Estou só registando uma tendência. Já não posso dizer o mesmo de quem teve a infelicidade de ser registado como Máicon (o pai provavelmente queria dizer Michael) ou Maicossuel — já há milhares de Máicons no Brasil e começa a crescer o número de Maicossuéis. Outro nome que me intriga é Danrley, nome de um guarda-redes que teve a sua época no futebol dos anos 90 — seria um misto de Daniel com Shirley, nomes talvez de seus pais? E o que dizer de Máiron, Kerlon, Weldon, Cleiton, Rogélio e Leyrielton? Todos são jogadores que, até há pouco, disputaram a primeira divisão do campeonato brasileiro — e nenhum foi campeão. Já houve até um Thiego — talvez filho de um Thiago com um Diego.
Há algo de cruel em dar nomes estrambólicos aos filhos numa idade em que eles não se podem defender. Mas nada supera o de um sujeito que apareceu há tempos no futebol e que já se evaporou: Credence. Se isso lhe diz alguma coisa, o nome completo do rapaz é Credence Clearwater da Silva. O pai dele devia ser fã de um grupo de rock dos anos 70, o Credence Clearwater Revival. Para sorte do garoto, Credence não é um mau nome, só meio bobo. Imagine se o pai dele fosse fã dos Sex Pistols, dos New York Dolls ou dos Flying Burritos Brothers?
Essa nomenclatura dadaísta não se limita ao futebol. Atinge todas as famílias. E eu pergunto: onde foram parar no Brasil os Carlos, Eduardos, Joões, Josés, Jorges, Antônios, Franciscos, Pedros e Luíses, que, como até hoje em Portugal, nomearam tantos brasileiros por mais de 400 anos? São os nomes básicos da língua, porque podem ser combinados entre si e com muitos outros e sempre nos serviram bem.
Mas, nos últimos 20 anos, a sua queda na preferência popular é visível. Temo também que, brevemente, assim que morrer o último, não teremos mais um único Sebastião. Ou um Raimundo, Benedito ou Valdemar. E os Joaquins? São tão raros hoje no Brasil quanto os pinguins. Quanto aos Plínios, Clóvis, Abílios, Odoricos, Teotônios e Aníbais, tão adotados outrora, são nomes hoje só encontrados em cemitérios. Aliás, entre nós, Ruy também corre esse risco.
Tal monotonia de nomes não se limita aos rapazes. Atinge também as raparigas. A maioria das jovens brasileiras de hoje chama-se Joana, Juliana, Mariana, Fabiana ou qualquer outro nome terminado em Ana (menos Luciana, que é mais bonito e anda esquecido).
Vale qualquer um que rime com Ana, exceto o próprio Ana — a não ser que venha acoplado a algum outro, quase sempre Paula. A quantidade de Anas Paulas atualmente no Brasil deve ser maior do que a população inteira de Portugal. Não faltam também as Júlias, todas nascidas na época da personagem de Sônia Braga na antiga novela “Dancin’ Days”. Mas, até aí, tudo bem — são nomes classudos e sobreviverão, assim como os nomes masculinos traduzidos para o feminino, como Cláudia, Renata, Fernanda, Márcia e outros que, mesmo em declínio, existirão sempre.
Mas o que dizer das Karens, Natashas, Agathas, Priscillas, Jéssicas, Ticianes, Viviennes, Kellys e Suellens? Sim, esses nomes existem e há milhões de inocentes brasileirinhas que atendem por eles. Suas mães saberiam o que estavam fazendo quando mandaram o marido ao cartório para registar a infeliz? E pense no problema que se cria quando se trata de uma Paola. Já devemos ter tantas Paolas entre nós quanto em Itália. A diferença é que, lá, toda a Paola se pronuncia Paula. No Brasil, diz-se, hilariantemente, só que a sério, Paôla.
Os profissionais dos cartórios, por sinal, devem sofrer para pôr em letra de forma o nome que certos pais e mães levam para registar. Como no Brasil todos os nomes são permitidos, não há critério. Uma simples e graciosa Manuela pode se tornar Manoela, Manoella, Mannoella, Mannuelly ou Emmanuelly. O mesmo com as Camilas, Isabelas e Gabrielas — o tabelião se distrai e é soterrado por uma montanha de consoantes dobradas, kás, ípsilones, dáblius e variações que transformam aqueles nomes em Kamilly, Izabelly e Gabrielly. Fora as Grazielly, Michelly, Michaelly, Nicolly, Danielly, Mirelly, Raphaelly e Adrielly, além das Ayla, Thayla, Lorrayne, Kauany e, a minha favorita, Kethelyn.
Por favor, acredite: esses nomes são verdadeiros. Tirei-os todos dos noticiários dos jornais brasileiros. E outro grande pesadelo dos cartórios são as Jennifers — já as há grafadas Djénifer, Djénniffer e, naturalmente, Dyénniffer.
Gostaria de acreditar que, um dia, aqui no Brasil, as moças voltarão a se chamar Isabel, Helena, Margarida, Lília, Leila, Sônia, Lúcia, Cristina, Heloísa. Sem falar naquele que, antigamente, era um nome muito querido entre nós e que todas as mulheres usavam. Como era mesmo?
Ah, sim: Maria.
Cf. 50 nomes mais estranhos registrados nos cartórios do Brasil + Os nomes mais estranhos
Crónica do jornalista, biógrafo e escritor brasileiro Ruy Castro, em crónica publicada no semanário Expresso, com a data de 16 de julho de 2022.