A ordem é de desconfinamento e de preparação para um novo normal. O futuro pós-pandemia diz-se com palavras e expressões recém-criadas. Mundo novo pede novas palavras. Mesmo que sejam velhas e usadas são cobertas por uma fina maquilhagem, recauchutadas. E ei-las: prontas para dizerem o que ainda não foi dito.
A reinvenção do quotidiano faz-se de mãos higienizadas, distanciamento físico e máscara. Pena não podermos ir dançar. Podíamos até fazer um baile de máscaras. De máscara e não de mascarilha, porque esta pouco ajuda no mundo novo.
Nesta ordem recém-criada, não podemos tirar a máscara, a cirúrgica ou a comunitária, para que não seja substituída pela máscara mortuária. A verdade é inequívoca. Não vem mascarada.
As regras são claras. Antes de usarmos os transportes públicos, mascaramo-nos. Queremos entrar em espaços fechados, mascaramo-nos. Há muita gente, mascaramo-nos! Em todo o lado, andamos mascarados.
(E o verbo mascarar resiste a dizer este novo significado. O verbo mascarar quer continuar a dizer “pôr a fantasia carnavalesca” ou “disfarçar com máscara".
O novo normal é afinal uma mascarada permanente. A diferença é que o humor não vai lá estar. O novo normal é pouco dado a brincadeiras e à boa disposição. Novo normal é mais sisudo e um pouco assustador.
No antigo normal, as pessoas eram encorajadas a tirar a máscara. Era uma atitude louvável, porque reveladora de verdade. Significava o fim da mentira e da hipocrisia. No novo normal, porém, ninguém se pode desmascarar. Esta atitude é vista como ameaçadora e constitui um desrespeito da ordem pública.
(E também o verbo desmascarar não quer dizer estes sentidos. Ele quer limitar-se a tirar a máscara de carnaval ou tirar a máscara do disfarce e da dissimulação. Não quer ter nada a ver com esta máscara que nos assombra.)
A nova máscara é, afinal, uma versão pós-moderna da máscara antigás, num mundo onde o gás existe sempre. Se queremos sobreviver, a máscara passa a ser a segunda pele. Já não sai, veio para ficar.
E nós, que gritávamos bem alto o direito à liberdade de tudo, até de vestir, fomos mascarados, sem direito a opção, por um tirano invisível, que parece ser o único que se diverte neste novo normal. Mas, a sua vez de ser mascarado ainda vai chegar pelas mãos de alguém que o mascarará de inofensivo com capa de anticorpos. Depois, sim, voltaremos à máscara da folia!
Cf. Porque usámos máscara ao longo dos tempos? + A falta de cara