« (...) Bem sei que alguns e algumas linguistas têm chamado a atenção para o facto de haver uma diferença entre o género gramatical e sexo biológico, mas estão errados e erradas. (...)»
Caros e caras leitores e leitoras,
Como todos aqueles e todas aquelas que têm estado empenhados e empenhadas no uso da linguagem inclusiva bem sabem, há reaccionários que persistem em falar e escrever com evidente desrespeito pelo nosso esforço. Esses e essas, é importante dizê-lo, não manifestam, com tal comportamento, uma mera discordância linguística: são verdadeiros inimigos e verdadeiras inimigas da igualdade de género. Aqueles e aquelas que são suficientemente teimosos e teimosas para não se conformarem ao novo modelo bem podem alegar que isso não faz deles e delas obstinados adversários e obstinadas adversárias de uma sociedade mais igual. Não é verdade.
Podem dizer que também sonham com uma sociedade mais igual mas menos ridícula. Não nos convencem. Bem sei que alguns e algumas linguistas têm chamado a atenção para o facto de haver uma diferença entre o género gramatical e sexo biológico, mas estão errados e erradas. Quando afirmam que a gramática não é responsável pelo machismo não estão apenas a ser ingénuos e ingénuas: estão a agir como criminosos e criminosas. O nosso projecto, ao contrário do que dizem os mal intencionados e as mal intencionadas, não é coisa de fanáticos e fanáticas. É uma tentativa de endireitar o mundo, sintagma nominal a sintagma nominal, sintagma verbal a sintagma verbal.
O ideal era termos um idioma em que as palavras não tivessem género, como a língua persa, falada no Irão, Tajiquistão e Afeganistão. Um facto que talvez explique os notáveis progressos em matéria de igualdade de género que esse países registam. Por cá, teremos de ficar satisfeitos e satisfeitas com esta língua enjeitada, que tem problemas difíceis de resolver. Por exemplo, como tornar inclusiva a frase «O João e a Maria foram juntos ao cinema»? A palavra «juntos», no masculino, oprime obviamente a Maria. Mas a frase «O João e a Maria foram junto e junta ao cinema» parece ser agramatical. Só vejo uma solução: que o João e a Maria não vão ao cinema. Pelo menos até que estejamos habilitados e habilitadas a encontrar uma forma de eles poderem assistir a filmes em liberdade e segurança.
Os ingleses e as inglesas obtiveram há pouco tempo uma conquista importante: o metro deixou de saudar os passageiros e passageiras dizendo «Good morning, ladies and gentleman», ou seja, «Bom dia, senhoras e senhores», e passou a dizer «Good morning everyone», isto é, «Bom dia a todos», para não excluir as pessoas que não se identificam como homem nem como mulher. O problema é que, em português, a frase «Bom dia a todos» (que era, se bem estamos lembrados e lembradas, a forma primitiva de «Bom dia a todos e a todas») exclui os mesmos indivíduos.
Para superar essa dificuldade, a filósofa brasileira Márcia Tiburi acaba de editar o livro Feminismo em comum para todas, todes e todos. Percebendo bem que a formulação «todos e todas» não era completamente inclusiva, Tiburi acrescentou a forma “todes”. Só dizendo “todes” conseguimos incluir toda a gente (por enquanto). O que significa que os algarvios e as algarvias sempre foram inclusivos e inclusivas, mesmo sem o saberem. Um abraço para esse povo. Quem fala assim não é gago. Nem gaga.
Nem gague.
Cf. Governo substitui “direitos do Homem” por “direitos humanos”
+ A linguagem inclusiva, esse "perigo público" + La gramática no tiene sexo, no es incluyente ni excluyente
Crónica do autor publicada na revista portuguesa Visão, de 15 de janeiro de 2018, escrita segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico.