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Controvérsias // Género e linguagem inclusiva

Gramática ainda não tem sexo

O condão do ridículo

 

« (...) Se a igualdade entre géneros (eu prefiro a palavra sexos) é uma marca civilizacional indiscutível (no sentido de haver direitos iguais, salários iguais, regalias iguais), a ideia de que essa igualdade passa por estas nuances gramaticais pode ser mortal. (...)»

 

O Bloco de Esquerda quer mudar o nome do cartão de cidadão para cartão de cidadania por considerar que o nome atual do documento «não respeita a identidade de género de mais de metade da população portuguesa». Fiquei de boca (ou de boco, tendo em conta a minha identidade de género, ou o meu identidade de género) aberta (ou aberto). Quando será que perceberão que, ao contrário do que Dilma [Rousseff] pretende, o combate à desigualdade não se faz destruindo a gramática? Ou seja, que Dilma não é presidenta, como nunca foi estudanta, nem nunca ficou contenta? Aliás, do mesmo modo que, por muita coragem (raios, muito coragem) que eu tenha, nunca terei o ousadio suficiente para voar como os águios! Aliás, tenho engordado, mas ainda não pareço um baleio.

Mas nesta o Bloco (ou a Bloca) não me apanha! Cidadania, caros e caras, é uma palavra feminina. Não há cidadanio! Arranjem outro nome que respeite a identidade de género.

Um pouco mais a sério, uma das maneiras de destruir uma causa importante é torná-la ridícula. Ora, certas pessoas têm esse condão. Se a igualdade entre géneros (eu prefiro a palavra sexos) é uma marca civilizacional indiscutível (no sentido de haver direitos iguais, salários iguais, regalias iguais), a ideia de que essa igualdade passa por estas nuances gramaticais pode ser mortal. É tão ridículo como pretender que, em nome da igualdade dos povos (outro conceito importante), nascêssemos todos com a mesma cara e a mesma altura.

Miguel Esteves Cardoso escreveu há tempos que dizer, como se diz agora, «portuguesas e portugueses não é apenas um erro e um pleonasmo: é uma estupidez, uma piroseira e uma redundância que fede a um machismo ignorante e desconfortavelmente satisfeitinho. Somos todos portugueses e basta!». Concordo inteiramente. Há, na gramática portuguesa (que não tem neutro, como o alemão ou o inglês), substantivos uniformes. Uma criança não é uma menina, uma testemunha não é uma mulher, e uma estupidez pode ser feita por um homem.

 

[Sobre esta , cf. "O sexo das palavras e "Dobrar a língua"}

 

CfGoverno substitui “direitos do Homem” por “direitos humanos” + A linguagem inclusiva, esse "perigo público" + La gramática no tiene sexo, no es incluyente ni excluyente + Feminino dos substantivos e dos adjectivos + Portuguis? A língua portuguesa transformada em “novilíngua” + A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”?

 

Fonte

Crónica do jornalista Henrique Monteiro, publicada no semanário Expresso de 16 de abril de /2016,

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