O escritor Miguel Esteves Cardoso critica a expressão «portuguesas e portugueses», que atualmente substitui com frequência o uso genérico de «portugueses», tido por sexista. Crónica publicada no jornal "Público", em 12/02/2016.
Cada vez que alguém, prestes a dirigir-se à população, arranca com «portuguesas e portugueses» dou comigo a gritar um grito fininho que me dá cabo dos ouvidos.
Cerro os punhos e rosno quando são machos com aquela condescendência oiticentista de dizer «portugueses e portuguesas» com a entoação de quem se orgulha em mostrar que se é moderno ao ponto de não se esquecer das mulheres. Diz aquele sorriso meio-engatatão, meio-paternal: «Ah pois! Eu faço questão de incluir o mulherio!»
Vamos lá por partes. Somos todos portugueses. Todos nós, seja de que sexo ou de que sexualidade formos, somos portugueses. Somos o povo português ou a população ou a nação portuguesa.
Como somos todos portugueses quando alguém fala em «portugueses e portuguesas» está a falar duas vezes das mulheres portuguesas. As mulheres estão obviamente incluídas nos portugueses. Mas, ao falar singularmente das portuguesas, está-se propositadamente a excluir os homens, como se as mulheres fossem portugueses de primeiro (ou de segundo, tanto faz) grau.
Somos todos seres humanos. As mulheres não são seres humanas. Quando se fala na língua portuguesa não se está a pensar apenas na língua que falam as portuguesas. É a língua dos portugueses e doutros povos menos idiotas.
«Portuguesas e portugueses» não é apenas um erro e um pleonasmo: é uma estupidez, uma piroseira e uma redundância que fede a um machismo ignorante e desconfortavelmente satisfeitinho.
Somos todos portugueses e basta.
[Sobre esta querela cf. Pai e Mãe Nossa que estais no céu e Elas são eles e eles são elas?]
Cf. Governo substitui “direitos do Homem” por “direitos humanos” + A linguagem inclusiva, esse "perigo público" + La gramática no tiene sexo, no es incluyente ni excluyente
In jornal Público de 12 de fevereiro de 2016.