A SIC Online tem uma secção que convida os visitantes a indicarem uma palavra da língua portuguesa sua favorita. Aparecem aí palavras como paz, amor, vida, olhar, etc. Que importância têm as palavras tomadas isoladamente?
Muita gente pensa que a língua está dentro dos dicionários, que é uma listagem de palavras. Não é, mas há alguma razão em pensar assim. Isto porque são as palavras que nomeiam, e nomear é categorizar o mundo. Não pode haver nada de identificável na nossa mente sem palavras.
Não se julgue, porém, que há uma relação unívoca entre as palavras e as coisas ou que as palavras são coisas. Alguém já viu a palavra cão ladrar? E cada língua particular faz um dado recorte da realidade: é por isso que esquimós têm muitas palavras para o conceito de neve e nós só temos uma. A verdade é que nós somos talhados à imagem e semelhança da nossa língua materna: pensamos e adquirimos conhecimento sobre o mundo em função da estrutura vocabular traçada pela nossa língua.
A selecção dos cibernautas da SIC Online atendeu apenas ao significado das palavras. Mas uma palavra é também uma sequência de sons. Ela tem uma corporeidade, que dá as rimas e os ritmos aos poetas e que nos dá a nós uma afinidade sensorial com o idioma no qual crescemos e nos fazemos gente. Abstraindo do sentido: haverá outra língua com palavras tão bonitas como tangerina ou alguidar?
Depois, há as palavras vindas de outros continentes, que deixaram rasto das andanças dos falantes do português de outros tempos: cafuné, marimba, moleque, jacarandá…
Há um poema de António Gedeão que joga este jogo: lança a palavra biltre e supõe várias imagens e emoções que a palavra podia magnificamente captar. «Mas não./ Biltre é um homem vil, infame e ordinário./ São assim as palavras.»
Artigo publicado no semanário Sol de 6 de Outubro de 2007, na coluna Ver como Se Diz