António Ramos Rosa - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
António Ramos Rosa
António Ramos Rosa
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António Ramos Rosa (Faro, 1924 – Lisboa, 2013), poeta, ensaísta e tradutor, foi um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea. A sua obra poética inicia-se em 1958 com a publicação de O Grito Claro, tendo, postumamente, publicado mais cerca de cem títulos, nomeadamente: Estou Vivo e Escrevo Sol (1966), Clareiras (1986), Três Lições Materiais (1989), Em Torno do Imperdoável (2012). Esta dedicação à poesia valeu-lhe o reconhecimento geral e muitos prémios literários.

 
Textos publicados pelo autor


Apreender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a sua própria sede
Talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombr...

A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, numa anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidi...