Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao dizermos «dentro de cinco dias», isso significa no espaço de cinco dias, ou precisamente o quinto dia a contar do dia em que estamos? Por exemplo, hoje é dia 30 de Abril. Se dissermos «os estudantes têm de entregar as suas teses dentro de cinco dias», a data-limite de entrega acaba no dia 5 de Maio, ou começa naquele dia?

Obrigada!

Resposta:

Por exemplo, «dentro de cinco dias vou a Pequim», isso quer dizer que eu vou a Pequim até daqui a cinco dias, mas não tenho a certeza se vou no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto, ou até no quinto (dos cinco dias); e, se dissermos, no dia 30 de Abril, «os estudantes têm de entregar as suas teses dentro de cinco dias», «a data-limite de entrega» é o dia 5 de Maio, dado que este é o último dia em que podem entregar as suas teses.

A expressão «dentro de», registada no Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, significa «no âmbito de; no espaço de». O dicionário acolhe ainda outras expressões semelhantes: «dentro de pouco» («a breve trecho; brevemente; mais hoje mais amanhã»); «dentro de pouco tempo» («a breve trecho»); «dentro em» («no espaço de»); e «dentro em pouco» («brevemente; mais hoje mais amanhã»).

Pergunta:

«A gente de Melgaço é produtora de vinho verde.»

«As gentes de Melgaço são produtoras de vinho verde.»

São ambos os enunciados correctos? Porquê?

Resposta:

Em princípio, no contexto em causa, a forma aconselhável é «A gente de Melgaço é produtora de vinho verde». Com efeito, o plural (as gentes) é utilizado quando se trata de «povos; nações», enquanto o «conjunto de habitantes de uma região» se denomina «gente». Além disso, gente ainda é «conjunto de pessoas»; «multidão de pessoas»; «algumas pessoas (em oposição a ninguém)»; «família»; «o género humano; humanidade»; «povo»; «força armada»; e «tripulação». A utilização do plural «as gentes» justificar-se-ia no seguinte contexto: «as gentes da Europa estão a atravessar a maior crise das últimas décadas.»

Contudo, José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, no verbete da entrada gente, observa o seguinte:

Considera-se irregularidade levar o substant. gente, que é singular, o verbo para o plural, ainda que se explique por ter ele significação colectiva; no entanto, é comum na fala  popular e até familiar, e encontra-se também em bons escritores.|| Usa-se também no pl. no sent. de multidão, povo, habitantes. || No pl. também se emprega como vocativo para se dirigir a certo número de pessoas.

Por outras palavras, num discurso de tom entre popular e literário, aceita-se «as gentes de Melgaço», porque a forma no plural é, afinal, sinónima de «povo, habitantes de Melgaço».

A palavra gente deriva do «lat[im] gens,gēntis, "grupamento familial, clã, a casa em sua totalidade, família, povo, raça, geração, prole; (pl[ural]) estrangeiros, bárbaros (com relação aos romanos); pagãos, gentios, idólatras (por oposição aos judeus e aos cristãos)"; (...) ; f[orma] hist[órica] 1873 jente».

[Fontes: Dicionário...

Pergunta:

Posso falar de um «enxame de insectos», ou esse nome colectivo é específico das abelhas/vespas?

Aqui trata-se de um conjunto de bichos-paus ou bichos-folhas (insectos que imitam ramos ou folhas).

Não é no sentido de praga, mas de «ajuntamento»...

Obrigada!

Resposta:

O substantivo (nome) enxame é, regra geral, utilizado para conjunto de abelhas, mas, por extensão de sentido, também significa «grande número de animais» e, por metáfora, ainda quer dizer «grande quantidade de pessoas ou coisas; abundância, multidão, quantidade, profusão».

A palavra enxame vem do «lat[im] exāmen,ĭnis, "enxame (de abelhas)"; a nasalização ocorrida na sílaba inicial foi comum, no port[uguês] med[ie]v[al], tanto a voc[ábulos] começados por ex- e ax-, que haviam evoluído para eix-, quanto a voc[ábulos] iniciados por ens- (< lat. ins-), em ambos os grupos, a sílaba inicial passou a enx- (exame > eixame > enxame; *exaquāre > eixaguar > enxaguar; insertāre > ensertar > enxertar); div[er]g[ente] de exame; (...); f[orma] hist[órica] sXIII eixame, sXIII eyxame, sXV enxame, sXV xame».

Assim, a palavra enxame, embora seja mais utilizada para conjunto de abelhas, também se pode usar em relação a um conjunto de bichos-paus.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Já li a vossa resposta à "palavra" plugue. Contudo, não fico esclarecido se a palavra existe ou não em português. Referem casos de outros termos, mas que embora por vezes falados não existem em português ("naifa", "vacanças", etc)

Não a encontro em nenhum dicionário que consultei (como seria de esperar). Contudo, fiquei banzado com o facto de ela ser validada pela Academia Brasileira de Letras no sistema de busca do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.

Afinal plugue existe em português, ou não? É que o que é pretendido com esse termo já existe. Designa-se por ficha. Ficha que é para ligar/conectar numa tomada.

Obrigado.

Resposta:

Em português do Brasil, a palavra plugue é o mesmo que ficha, em português europeu. Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português confirma o uso deste vocábulo de origem inglesa no português brasileiro:

«Plugue é a forma portuguesa correspondente ao inglês plug, que designa peça com pinos que se liga a tomada de corrente elétrica. Ambas as formas são usuais, mas a forma aportuguesada é mais frequente.»

Apesar de validada pela Academia Brasileira de Letras, verifica-se que, mesmo na perspectiva da norma brasileira, se encontram reservas sobre o emprego de plugue. O Dicionário Houaiss, ao registar a palavra, mostra que ela existe, sem isso significar que a aceite, visto advertir que é «palavra a evitar, pois na língua já existem neste sentido tomada (no Brasil) e ficha (nos demais países da lusofonia)».1 No entanto, cabe observar que plugue (como ficha) não é o mesmo que tomada, pelo que se infere da definição de Moura Neves. Sendo assim, parece estar por definir para o português brasileiro qual o termo vernáculo susceptível de ser alternativa ao aportuguesamento plugue, de uso generalizado.

1 Certamente a Academia Brasileira de Letras seguiu o mesmo critério do dicionário: acolheu-a em função do uso, mas isso não significa, de todo em todo, uma validação.

Pergunta:

Qual o significado da expressão «pisar em ramo verde»?

Resposta:

A expressão registada, no Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, é «pôr pé em ramo verde»; significa «ter liberdade de acção; abusar; exceder-se; ser senhor de si».

O dicionário acolhe ainda as expressões «não deixar pôr o pé em ramo verde» («não permitir que alguém faça tudo o que quer») e «não pôr pé em ramo verde» («não poder realizar o que quer; não ter parança; não ter descanso»).

De qualquer modo, «pisar em ramo verde» pode ser uma variante de «pôr pé em ramo verde». Na realidade, significam praticamente o mesmo.