Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o correto é dizer: «mochila às costas», ou «nas costas»?

Obrigada.

Resposta:

A expressão usual é «de mochila às costas»: «os turistas com menos dinheiro fazem férias de mochila às costas», «os jovens chegaram ao parque de campismo de mochila às costas», «subiram a montanha de mochila às costas», etc.

Não sendo habitual, a forma «mochila nas costas» não me parece incorrecta, dado que, em alguns contextos, como, por exemplo, «ele adormeceu com a mochila nas costas», é mesmo preferível. Na verdade, «de mochila às costas» pressupõe uma posição erecta.

 

Pergunta:

A resposta intitulada «Fazer sexo», colocada em linha nesta quarta-feira, 23 de março de 2011, de autoria do competente consultor Carlos Marinheiro, fez-me lembrar de outra sinônima – «fazer amor» – que tem sido bastante usada no Brasil.

Pois bem, gostaria de saber se «fazer amor» seria mais uma tradução servil do inglês, mais uma influência dessa língua estrangeira no nosso idioma. Parece-me que se trata de uma tradução de «make love».

Poderíeis confirmar se esta hipótese é verdadeira?

Muito obrigado.

Resposta:

Neste caso, a expressão «fazer amor» encontra-se registada em várias obras, nomeadamente no Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, no Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, no Aulete Digital e no Dicionário Eletrônico Houaiss. Significa «ter relações sexuais». Com efeito, este último dicionário diz que amor, «p[or] met[onímia]», é «o ato sexual», e «fazer amor» significa, informalmente, «manter relações sexuais; copular». Da mesma forma, o Aulete Digital acolhe a expressão, com o significado de «ter relações sexuais», dizendo também que a palavra amor, na expressão «fazer amor», é «o ato sexual».

Não me parece, por isso, que «fazer amor» seja «mais uma tradução servil do inglês» ou que os ingleses considerem «make love» uma tradução servil do português.

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra pedivela, aquela parte da bicicleta onde ficam presos os pedais. Ela nada mais é que uma "manivela" acionada pelos pés. Imagino, então, que pedi (assim como mani) tem origem latina referente a (mão, no caso da manivela). No português, são duas palavras femininas. Estando tudo certo até aqui, falta apenas entender a origem e significado de vela. Seria algo do tipo "mecanismo"? Ou algum outro significado menos genérico, mais específico para o caso de "acionamento/propulsão por rotação"? Ou um meio-termo? Ou uma abstração mais distante...

Agradeço a atenção.

Resposta:

Das várias obras consultadas (portuguesas e brasileiras), encontrei a palavra pedivela no Dicionário Eletrônico Houaiss, apesar de na versão mais recente já não aparecer.

Assim, este substantivo (nome) deriva do «lat[im] pes,pedis, "pé", segundo o modelo de manivela, sob o influxo do it[aliano] pedivella (1905)». Como sabe, trata-se de «barra metálica rígida que se encaixa em um dos extremos no eixo de movimento da bicicleta e, no outro, no pedal».

Quanto a manivela, tem origem no «fr[ancês] manivelle (sXII manevelle) < lat[im] vulg[ar] manabella < manibŭla dim[inutivo] de manus,us, "mão"; (...); f[orma] hist[órica] sXVIII manivella».

Como se vê, o segmento "-vela" isoladamente não tem qualquer significado em português, embora etimologicamente seja um sufixo diminutivo em latim.

Pergunta:

É correcto dizer-se «ligar o país e ao mundo»?

Resposta:

É correcto, se eliminar a conjunção e. Entre as várias acepções do verbo ligar, destaco, em relação a este contexto, «pôr em comunicação»; exemplo, tirado do Dicionário Eletrônico Houaiss: «O rádio e a TV ligam os mais distantes pontos do país.»

Assim, «ligar o país ao mundo» é o mesmo que «pôr o país em comunicação com o mundo».

Note-se que «ligar o país e ao mundo» não é gramatical, porque a conjunção coordenativa e não pode associar constituintes frásicos com funções sintácticas diferentes.

Pergunta:

Eu gostaria de saber se a palavra brasão alguma vez se escreveu com z.

Resposta:

No século XIX, a palavra podia escrever-se z ou com s: brazão/brasão. É o que nos mostram dois dicionários daquela época, a saber:

Eduardo de Faria, Novo Diccionario da Lingua Portugueza, Lisboa, Tipografia Lisbonense, 1850;

Frei Domingos Vieira, Grande Diccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza, Porto, 1871.

A palavra brasão, na qualidade de vocábulo da heráldica, deriva do «fr[ancês] blason (1160-85) "id.", de orig[em] obsc[ura], (...); f[orma] hist[órica] sXV brasão, sXV blasão». Regra geral, trata-se de «conjunto de figuras que compõem escudo de famílias nobres, cidades, corporações, Estados etc. (e, mais raramente, de indivíduos), no qual aparecem elementos, como cores, peças, atributos, ornatos etc., consagrados pela heráldica».

Como adje{#c|}tivo, vem de «brasa + -ão», e significa que «que tem cor de brasa».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]