Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão «a exemplo de» estará correta?

Por exemplo, neste contexto: «A exemplo do ano anterior procedemos a um inquérito de satisfação...»

Resposta:

A expressão está correta e vem registada como subentrada de exemplo no Dicionário Houaiss: «a exemplo de: conforme o exemplo dado por». Também o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista «a exemplo de» como locução prepositiva e com o significado de «imitando, tomando como modelo, seguindo os passos de».

Pergunta:

Como classificar seu na expressão «seu preguiçoso»?

Resposta:

É um determinante possessivo, incluído numa construção típica do português, conforme aponta Paul Teyssier em Manual de Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1989, p. 135): «Seu (que teve origem em "senhor") emprega-se nas injúrias, p. ex.: Seu malandro! [...]»

Pergunta:

Ao estudar umas questões sobre a gramática portuguesa deparei-me com a seguinte frase: «(...) em final de sílaba, o [s] implosivo torna-se palatal (...).»

Podem esclarecer-me qual é a diferença entre uma consoante implosiva e uma consoante palatal?

Obrigada e continuem o excelente trabalho.

Resposta:

Não é que as duas classificações (consoante implosiva e consoante palatal) se oponham. O que se passa é que o conceito de consoante implosiva tem que ver com o contexto de produção da consoante (no caso, a fechar sílaba), enquanto palatal se relaciona com o ponto de articulação (o palato). Sendo assim:

– Diz-se que é implosiva a consoante que fecha sílaba antes de outra consoante ou ocorre em fronteira de palavra (ou seja, antes de fim de palavra), como acontece com o segmento fónico representado por s de pasta ou o sufixo -s do plural em gatos.

– O que nos diz a frase em causa é que, nessas posições, o s se torna igual ou praticamente igual à consoante que se articula e ouve, por exemplo em chave ou baixo. A esta consoante, como ao segmento associado ao j de janela, os estudos de fonologia e fonética chamam palatal (cf. Dicionário Terminológico) ou pré-palatal (cf. "Sobre a consoante [Ʒ] (janela, gente)").

Pergunta:

Quanto à formação, como devo classificar as palavras quispo ("kispo") ou "gillette". Poderão ser consideradas epónimos?

Resposta:

No contexto da descrição gramatical portuguesa – pelo menos, nas últimas três décadas –, considera-se que são casos de derivação imprópria (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 10) ou de conversão (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, p. 36).

Note-se, além disso, que, para falar-se de epónimos acerca dos casos em questão, deverá dizer-se que gillette ou gilete é que se relaciona tipicamente com esse conceito, visto que Gillette é o nome do inventor deste tipo de lâmina. Kispo pode também enquadrar-se entre os epónimos, visto ser nome comercial que, em Portugal, se tornou nome de uma peça de vestuário, que passou ao léxico comum como quispo. De qualquer modo, é de sublinhar que epónimo se refere à pessoa ou à coisa que dá nome a outra, e não o contrário; exemplo (do Dicionário Houaiss, s. v. epônimo): «Atena é o epónimo da cidade de Atenas.»

 

N.E – Alguns exemplos mais conhecidos de epónimos:...

Pergunta:

Solicito a vossa preciosa colaboração no sentido de esclarecer a seguinte dúvida: na frase «não há nada de novo na história», a que classe de palavras pertence a palavra novo?

Obrigada pela colaboração.

Resposta:

Trata-se de um adjetivo numa construção que é semelhante a «algo de novo», conforme explica o Dicionário Houaiss: «por ter natureza de substantivo, o pronome algo nunca é usado junto de outro substantivo, podendo ser precedido de demonstrativo, e seguido de atributos: encontraste algo de interessante?; este livro tem aquele algo que se espera da boa literatura