Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aproveito este espaço para pedir o vosso esclarecimento sobre a forma correcta de escrever o nome da vila e concelho de Castro Daire (distrito de Viseu). Esta dúvida surge depois de terem sido colocadas diversas placas informativas de trânsito nas aldeias que fazem parte do concelho de Castro Daire, nas quais o nome surge escrito com um apóstrofo – Castro D’aire.

Antecipadamente agradecido.

Resposta:

A grafia que está fixada, pelo menos, desde 1966, no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, é Castro Daire. Mais recentemente, já aplicando o Acordo Ortográfico de 1990, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora conserva esta forma. Não se vendo, portanto, razão para recomendar "Castro D´aire" ou "Castro D´Aire", deve continuar-se a escrever Castro Daire.

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia do verbete truísmo.

Obrigado!

Resposta:

Truísmo é adaptação do inglês truism, derivado de true, «verdadeiro», por sufixação de -ism, equivalente ao sufixo português -ismo (Dicionário Houaiss). Um truísmo é uma «verdade banal, evidente; trivialidade» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia).

Pergunta:

Ouço muitas vezes o verbo "empaliar" usado no sentido de «empatar, adiar, prorrogar». Parece ser uma variante de "paliar" que entretanto remeteu a forma inicial apenas para o domínio da poesia. Este "empaliar" soa-me bastante mal, mas não sei porquê... Será a minha estranheza empolada por imaginar que afinal o sujeito terá faltado ao compromisso por ter sido empalado pelo príncipe da Valáquia? Será apenas uma idiossincrasia minha? A verdade é que não encontro a variante "empaliar" registada nos principais dicionários. Ouço-a em pessoas oriundas das Beiras. Será uma variante usada somente nessa região? Também a ouço com a acepção de «confuso»: «aquilo está muito empaliado». Sem querer "empaliar" mais, queiram, por favor, desculpar caso a minha questão tenha ficado porventura um nada-tudo "empaliada".

Resposta:

O verbo em referência tem registo em dicionário, não com a grafia apresentada, mas com a forma empalear.

Trata-se um coloquialismo que significa genericamente «não despachar (uma tarefa); demorar muito tempo a fazer (alguma coisa)» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia); é também um regionalismo quando significa «fazer render qualquer serviço, trabalhando pouco» (idem). O verbo terá origem em paleio: em- + pale(io) + -ar (cf. idem); contudo, é também plausível que derive do radical de um verbo pouco usado, palear, «tornar manifesto ou público; manifestar, revelar», o qual se terá formado com base no radical pal-, do latim palam, «publicamente, às claras» (Dicionário Houaiss).

Observe-se que o significado deste verbo regista algumas variações regionais, que permitem explicar o uso de empaleado (uso adjetival do particípio passado) como sinónimo de confuso. Três dicionários de regionalismos acolhem-no, revelando tal variação:

Vítor Fernando Barros, Dicionário de Falares das Beiras, Âncora Editora/Edições Colibri, 2010: «EMPALEAR, v. tr. e int. 1 Pagar, satisfazer [do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado]. 2 Empatar; entreter, ir andando (Figueira de Castelo Rodrigo).»

Vítor Fernando Barros, Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Âncora Editora/Edições Colibri, 2006: «EMPALEAR, v. tr. e int. Empatar; ir andando (Lagoaça – Freixo de Espada à Cinta).»

Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, Dicionário de Falares do Alent...

Pergunta:

Preciso de escrever «a mãe pegou na lista das compras e seguiu em frente, compenetrada da/na sua tarefa, enquanto o filho procurava leite de origem nacional». Eu achava que devia escrever da, mas agora surgiu-me a dúvida. Fiz várias pesquisas, mas não encontrei resposta.

Muito obrigada não só pela atenção que possam dispensar a este meu pedido, mas também por toda a ajuda que têm dado a quem precisa.

Resposta:

Diz-se «compenetrado de...».

O adjetivo (participial) compenetrado tem origem no particípio passado do verbo compenetrar, que, no sentido de «convencer-se intimamente», constrói regência com a preposição de («compenetrar-se de uma nova responsabilidade», Dicionário Houaiss). Deste modo, compenetrado usa-se geralmente com um complemento introduzido também por de: «Enquanto ele arrumava papéis, meticuloso e compenetrado da sua mordomice [...]» (Urbano Tavares Rodrigues, Os Insubmissos, 1976, in Corpus do Português).

Observe-se, contudo, que, por vezes, o adjetivo é usado como sinónimo de concentrado, o que leva a usar a preposição em, em lugar de de: «Disse estar apenas "compenetrado" na conquista dos primeiros três pontos e de um lugar no pelotão da frente da classificação [...]» (jornal Público, in Corpus de Referência do Português Contemporâneo). Não sendo este o melhor uso, também não se pode afirmar que se trate de um erro.

Teremos muito gosto em voltar a esclarecer as suas dúvidas.

Pergunta:

Aprendi na escola que «nem... nem» é uma locução conjuncional coordenativa copulativa. No entanto, enquanto estudava para o teste de Português, encontrei numa ficha informativa do meu manual a mesma locução classificada como disjuntiva.

Esta locução pode classificar-se de duas formas diferentes tendo em conta o contexto?

Por exemplo, como devo classificar a oração coordenada da seguinte frase: «no fim de semana, nem estudei, nem me diverti»?

Obrigado!

Resposta:

Trata-se de uma conjunção coordenativa copulativa correlativa, segundo o Dicionário Terminológico [ver também a Gramática do Português (GP) da Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 1787].

No entanto, há dicionários que também atribuem o valor disjuntivo a esta conjunção, como é o caso do Dicionário Houaiss.

Mesmo assim, e considerando que a GP a classifica apenas como conjunção copulativa (usa o termo aditiva), parece mais adequado considerar que a referida conjunção é somente copulativa, até pela dificuldade em identificar o valor disjuntivo associado a uma negação:

1) «No fim de semana, canto e danço.»

2) «No fim de semana, canto ou danço.»

3) «No fim de semana, nem canto nem danço.»

A frase 3 pode ser parafraseada por «No fim de semana, não canto e não danço», mas a sua paráfrase com uma estrutura disjuntiva não é aceitável (o * indica agramaticalidade): *«No fim de semana, não canto ou não danço.»