Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem a desfazer uma dúvida de há muito tempo: em bom português (de Portugal!), o substantivo mais correto para nomear “aquele que mantém” deverá ser mantedor, ou mantenedor? Os dicionários que consultei acabaram por adensar ainda mais a minha incerteza com cansativa guerra de palcos entre o PT e o BR.

Grato pela ajuda.

Resposta:

Os dicionários registam efetivamente as duas formas, mas a questão não parece relacionar-se com as diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil.

Com efeito, dicionários portugueses e brasileiros (cf., do lado português, Artur Bivar, Dicionário Geral e Analógico, Porto, Edições Ouro, 1952, e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; do lado brasileiro, Aurélio XXI e Dicionário Houaiss) registam mantedor, que deriva regularmente de manter, mas remetem-no para mantenedor, historicamente um empréstimo do espanhol usado nas seguintes aceções (Priberam): como substantivo, «1. Aquele que mantém ou sustenta. 2. Defensor. 3. Campeão. 4. [Antigo]  Cavaleiro principal nos torneios; como adjetivo, «5. Que sustenta, mantém, defende ou protege.»

Cremos que, na aceção de «aquele que mantém», é legítimo usar a forma vernácula mantedor, embora no sentido específico de «cavaleiro principal em torneio ou justa» convenha manter a forma mantenedor. À semelhança de outros castelhanismos entrados no português nos séculos XVI e XVII – por exemplo, cavalheiro, do espanhol caballero, na origem com o mesmo significado de cavaleiro, mas depois especializado no sentido de «homem, de extração ou caráter nobres» –, também perdurou com um significado mais específico que mantedor (o Dicionário Houaiss data a forma mantenedor de 1563).

Refira-se, porém, que no século XIX e no princípio do século XX se encontram ocorrências de mantenedor às quais se associa o significado de «aquele que mantém» – tanto em escritores portugueses como em brasileiros:

Pergunta:

Pergunto se a palavra Eddas, referente às escritas escandinavas (Edda Menor e Edda Maior), se deverá dizer no feminino ou no masculino: «as Eddas» (Wikipédia), ou «os Eddas» (Infopédia)?

Resposta:

O género do nome próprio Eda (aportuguesamento de Edda) ainda não estabilizou, o que se entende, por ter um referente que não faz parte dos tópicos de discurso mais frequentes em português. Compreende-se, pois, que a Infopédia atribua o género masculino, porque Eda se refere a um relato (género masculino) em prosa ou em verso. Mas Eda também é categorizável como história (género feminino); daí poder dizer-se «as Edas», tal como fazem o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura Verbo.

Pergunta:

Qual a forma correta de escrever a seguinte expressão?

«Bem haja a todos», ou «Bem hajam a todos»?

Resposta:

Deve dizer/escrever «bem hajam todos» (sem hífen), e não «bem hajam a todos», conforme observa Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (reedição de 2012, p. 453): «É incorrecto redigir: "bem haja ao sr. Fulano". Deverá ser: "bem haja o sr. F., pois aqui "haja" está por "tenha", e "bem" é substantivo, quer dizer: "bem tenha o sr. Fulano" [...].»

Pergunta:

Qual a razão ou razões que justificam a preferência do uso de «junto de» ou de «junto a»?

Resposta:

Tanto «junto de» como «junto a» são locuções corretas.

Vasco Botelho de Amaral, no seu Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (reedição de 2012), observa o seguinte (pág. 222; mantém-se ortografia do original): «[q]ualquer das regências é correcta. Em geral diz-se "junto de". Porém, "junto a" não merece reprovação. Há exemplos de tal construção nos melhores autores. [...]»

Pergunta:

De há uns anos para cá, tenho observado (nomeadamente na venda de apartamentos) o uso da expressão «em venda», em lugar da habitual «à venda». Está correcta? A mim, mais me parece um galicismo (en vente).

Cumprimentos.

Resposta:

A expressão vernácula é de facto «à venda» como redução de «pôr à venda». É esta que se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Novo Dicionário Lello Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho.