Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Afogador será realmente o nome dado às jóias que enfeitam a testa das noivas indianas?

Resposta:

Afogador é o nome dado a qualquer «ornamento para o pescoço (de pérolas, pedras etc.); colar, gargantilha» (Dicionário Houaiss). Nas antigas possessões portuguesas da Índia, documenta-se o uso de afogadores pelas noivas na cerimónia do seu casamento: «Entre os parentes e convidados está a noiva vestida com o seu panno-paló, afogador e outros adornos» (António Lopes Mendes, A India Portugueza: breve descripção das possessões portuguezas na Ásia, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886).

Pergunta:

O que é que quer dizer «dar vazão»?

Resposta:

A expressão «dar vazão» significa, segundo o Dicionário Houaiss, «dar saída a; deixar ou fazer irromper» ou «dar solução ou andamento a; atender, despachar, resolver» (exemplo: «Precisou de um auxiliar para dar vazão a tantos negócios»).

Pergunta:

Bem hajam pelo regresso!

Para assinalar este dia, gostaria de colocar uma questão em que tenho vindo a pensar nos últimos dias, que diz respeito à frase «A tentativa de meter os indianos a gostar de futebol». Acontece que me deparei com reações de forte repúdio, devido ao emprego do verbo meter. Bem sei que ao verbo está associado um vector de interioridade, mas, tendo em conta a variação semântica que o seu uso tem vindo a registar, a frase não pode ser considerada aceitável?

Obrigada e votos de bom trabalho!

Resposta:

É com muito gosto que regressamos ao contacto diário com os nossos consulentes!

É verdade que há contextos em que meter pode substituir pôr, como acontece em «pôr/meter gasolina». No entanto, verificam-se exemplos da estrutura «meter a» + infinitivo descrita como construção reflexiva que faz referência à situação em que alguém atribui a si próprio uma competência que não possui: «apesar do desconhecimento, meteu-se a falar inglês» (Dicionário Houaiss). Ou seja, a expressão sugere uma situação em que alguém se atreve a alguma coisa, não costumando usar-se com um complemento direto com o papel semântico de paciente da ação verbal. Isto explica, por exemplo, a estranheza de «meti o meu filho a aprender inglês», visto a noção de atrevimento associada a «meter-se a» dizer respeito apenas ao agente da ação (de quem «se mete a fazer qualquer coisa»), e não a um eventual paciente forçado ou aliciado a atrever-se. Sendo assim, do ponto normativo, consideramos que o exemplo enviado tem fraca aceitabilidade e parece-nos preferível o emprego de pôr na frase: «A tentativa de pôr os indianos a gostar de futebol.»*

* Em alternativa à construção com pôr causativo, são também possíveis as frases: «a tentativa de fazer os indianos gostar(em) de futebol»; «a tentativa de fazer com que os indianos gostem de futebol»; «a tentativa de incentivar os indianos a gostar(em) de futebol»; «a tentativa de inculcar nos indianos o gosto pelo futebol, etc.» (sugestões do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).

 

Pergunta:

Deparei-me com o termo hipotetizar enquanto revia um capítulo de um livro. Como leigo, parece-me um termo "aceitável", como penso que seria também a forma hipotetisar, mas não as encontrei no dicionário de português que tenho, e na Internet apenas encontrei aqui e aqui.

É um termo já em uso na nossa língua? É um neologismo abusivo?

Muito obrigado!

Resposta:

A forma hipotetizar é um verbo que ainda não entrou nos dicionários de referência nem nos vocabulários ortográficos atuais.

Do ponto de vista dos padrões morfológicos do português, é forma muito discutível, porque, do ponto de vista da regularidade, deveria derivar de hipótese, tal como de análise se forma analisar. Tal significa que, a existir, o verbo em causa deveria ter as formas não atestadas hipotisar ou, quando muito, hipotesizar (hipótese + -izar), e não "hipotetisar" nem "hipotetizar" (este presumivelmente derivado de uma forma truncada, "hipotet-", aparentemente de hipotético).

Em português, parece que os tradutores continuam a preferir uma perífrase: «pôr/colocar/levantar uma/a hipótese» (cf. Linguee).

Pergunta:

Em Topónimos e Gentílicos, Ivo Xavier Fernandes recomenda que se use Bósporo em detrimento de Bósforo, que considera uma corruptela. Quando nos referimos ao estreito, que forma devemos usar?

Muito obrigado.

Resposta:

Deve-se dizer e escrever Bósforo.

Apesar do que escreve o toponimista português Ivo Xavier Fernandes – há algum fundamento, mas não é certo que Bósporo provenha de  βοῦς, «boi», e πόρος, «passagem») –, a forma que se impôs em várias línguas ocidentais, entre elas o português, remonta a uma variante com -f- que terá origem no latim. Refira-se que Bósforo é a única forma registada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966).