Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual das frases é a mais correcta ou, no caso de estarem ambas correctas, qual a diferença?

«Cuide da alimentação sem descuidar o sabor», ou «Cuide da alimentação sem descuidar do sabor»?

Resposta:

Ambas as frases apresentadas pelo consulente estão corretas.

Com os significados de «esquecer, negligenciar», o verbo descuidar tem um complemento que pode, ou não, ser introduzido por preposição (exemplos do Dicionário Houaiss):

(1) «Ele descuidara a costumeira elegância.»

(2) «Descuidar da saúde.»

Pergunta:

Embora imagine que o correto seja dizer «enfrentamento ao» (crack, por exemplo), pois quem enfrenta o faz em relação a algo ou alguém, fui corrigida num texto, em que o certo foi apontado como «enfrentamento do». Por gentileza, qual é a forma correta e qual a regra para este caso?

Muito obrigada.

Resposta:

Deve dizer-se «enfrentamento de alguma coisa» ou «enfrentamento de alguém com outra pessoa». Não se aceita a preposição a para a construção da regência deste substantivo.

De acordo com o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2004), o substantivo enfrentamento constrói regência com a preposição de («O enfrentamento de alguns desafios exige cautela»), com de e com («Uma sucessão de enfrentamentos do presidente com o ministro») ou com entre («enfrentamentos entre o presidente e o ministro»; também possível «enfrentamentos do presidente e do ministro»). Francisco S. Borba (Dicionário de Usos do Português do Brasil, São Paulo, Editora Ática, 2002) especifica que enfrentamento se usa com com antes de nome humano («Ruivo resolveu provocar um enfrentamento com a polícia») e de a preceder nome abstrato («A aceleração da inflação [...] desloca o enfrentamento do problema inflacionário para outros elementos»).

Pergunta:

Em Restauração, 1640-1668, livro da coleção Guerras e Campanhas Militares de Portugal, organizada pela Academia Portuguesa da História, o autor Gabriel do Espírito Santo refere-se várias vezes a Columbo (assim grafada), no contexto da tomada do Ceilão português pelos neerlandeses. A minha dúvida, apesar de respondida de forma curta há bastantes anos aqui no Ciberdúvidas, prende-se com a grafia da antiga capital do Sri Lanca entre 1948 e 1978: Columbo, ou Colombo?

Adicionalmente, vi há uns anos no Ciberdúvidas sugerida como mais correta a grafia Seri-Lanca (com hífen) para o antigo Ceilão (resposta de José Neves Henriques). Porém, vejo também a forma Sri Lanca (sem e e sem hífen). Qual a melhor opção? E caso seja Seri-Lanca, não deveríamos usar também Seri- também para a atual capital, já aportuguesada pelo Código de Redação Interinstitucional da União Europeia como Sri Jaiavardenapura-Cota?

Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

Sobre o nome da antiga capital do Sri Lanca, refira-se que, na norma contemporânea do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45), a forma correta era Columbo, como se pode verificar no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966). No entanto, o autor desta obra, Rebelo Gonçalves, um dos principais intervenientes na elaboração do AO 45, já reconhecia no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 363, n. 4) que Colombo também tinha o uso corrente:

«A substituição de Columbo, forma legítima e antiga (cf. Os Lusíadas, x, 51, 8, e v. Bluteau, s. v.), pela forma Colombo, que os vernaculistas condenam, tem frequente exemplificação desde o século XVIII, como vemos em vários textos e até no frontispício de um livro de salmos, que o prof. David Lopes reproduz em gravura, na pág. 140 do volume A Expansão da Língua Portuguesa no Oriente («... Pelo Pieter Bruwaart Impressor de Illustra Companhia na cidade Colombo Anno MDCCLXIII»). É curioso que o próprio David Lopes usa da forma Colombo em vários passos dessa obra, se bem que escreve Columbo na pág. 6.»

Atualmente, o nome da cidade em referência continua a ter oscilações, e o próprio

Pergunta:

Sendo natural do Minho e estando actualmente residente em Lisboa, tenho vindo ao longo dos anos a reparar em várias diferenças de pronúncia entre os falantes da zona de Lisboa e os Minhotos (e generalizando, da zona Norte do País).

O que gostaria de expor é relativo ao ditongo ou. Sem qualquer dúvida posso afirmar que os falantes da zona de Lisboa o pronunciam como sendo algo similar à escrita de ô, a vogal média fechada tónica. Um exemplo simples é a palavra sou. Em que os falantes da zona de Lisboa pronunciam como sendo "sô", e os falantes da zona Centro e Norte do País como 'sou'.

A minha questão recai sobre qual a pronúncia correcta do ditongo ou, sendo que a forma como é pronunciada em Lisboa me soa francamente influenciada pela língua francesa e não correcta.

Resposta:

A conservação do ditongo [ow], que às vezes soa também "âu", como pronúncia correspondente à grafia ou, é corretíssima. No entanto, historicamente, a pronúncia "ô" (o símbolo fonético é [o]) , que terá começado por ocorrer no português popular mais meridional, acabou por prevalecer nos falares dos meios privilegiados de Lisboa e Coimbra. Deste modo, o ou proferido como uma única vogal (monotongação) tornou-se hoje a pronúncia-padrão, enquanto o ditongo se conservou como traço característico do português falado em certas regiões do País (parte do Centro-Norte e praticamente todo o Norte). A pronúncia como vogal simples não parece influência do francês, antes se enquadrando na tendência que os dialetos portugueses meridionais têm para suprimir certos ditongos: ouro = "ôro" (parte do Centro e todo o Sul); leite = "lête" (todo o Sul e grande parte do Centro-Sul, excluindo Lisboa).

Pergunta:

Alguém me pode ajudar na origem do apelido Cachão?

Agradeço desde já.

Resposta:

Sobre a origem do apelido Cachão, o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, descreve-o como um apelido com origem numa alcunha, baseada no substantivo comum cachão, que significa «agitação, turbilhão de água» (cf. Dicionário Houaiss). Pode o apelido ter também que ver com um nome de lugar com essa forma, igualmente em resultado do uso de cachão para designar um dado lugar.