Pergunta:
Gostava de saber o que representa a metáfora «os corpos que fogem do chão» que aparece na canção Viagens, de Pedro Abrunhosa. Ele é muito dado às pinceladas susceptíveis de muitas interpretações que ficam entregues à consciência de cada um.
Eis o contexto:
Viagens que se perdem no tempo
Viagens sem princípio nem fim
Beijos entregues ao vento
E amor em mares de cetim
Gestos que riscam o ar
E olhares que trazem solidão
Pedras e praias e o céu a bailar
E os corpos que fogem do chão
Resposta:
Suponho que a metáfora se associa a outra mais abrangente, a do amor como viagem, concebida como experiência sem limite. Por exemplo, as palavras mar, vento, ar e bailar definem um universo em que tudo parece flutuar ou levitar – ou seja, usando a metáfora de Abrunhosa, «fugir do chão». Note que é comum a expressão «sentir o chão fugir sob/debaixo os/dos pés», quando se pretende referir uma perda de equilíbrio (sublinhado meu):
(1) «Alberto empalideceu e ficou com tremulinas nos olhos, a sentir o chão fugir-lhe sob os pés» (Ferreira de Castro, A Selva, in Corpus do Português.
No caso do poema de Abrunhosa, inverte-se a situação, com efeito poético: é o corpo que foge do chão.