Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
437K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me confirmassem que a seguinte frase está errada, a saber:

«Também isto são a história, o património e a identidade cascalenses!»

Neste caso não é «são», mas, sim, «é», não é? Mesmo que faça alguma confusão, pois são três conceitos que estão em causa.

Obrigada.

Resposta:

Na frase em questão, recomendo o singular.

Em frases em que ocorra o verbo ser (frases copulativas), cujo sujeito seja um demonstrativo (isto) e o predicativo do sujeito um plural, o verbo concorda preferencialmente com o predicativo, como se observa em 1:

1. «Isto são os aspetos mais importantes de Cascais.»

No entanto, se o predicativo for composto, isto é, se nele estiverem coordenadas várias expressões nominais, como acontece na frase em causa, parece legítimo usar o singular:

2. «Também isto é a história, o património e a identidade cascalenses.»

O singular é possível, apesar de o predicativo ser composto e, portanto, equivaler a um plural.

Note-se que, em frases em que ocorre o verbo ser, há sujeitos complexos que não exigem o plural (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, págs. 505/506), porque constituem uma enumeração gradativa ou porque são «interpretados como se constituíssem em conjunto uma qualidade, uma atitude» (ibidem); por exemplo (ibidem; manteve-se a ortografia original):

3. «A mesma coisa, o mesmo acto, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos» (Monteiro Lobato, Negrinha, 3.ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1951, p. 4).

4. «A grandeza e a significação das coisas resulta do grau de transcendência que encerram» (Miguel Torga, Traço de União, Coimbra, 1955, p. 63).

No caso em questão, convergem, portanto, tendências diferentes (as oscilações na concordância do verbo ser e...

Pergunta:

Gostaria de saber se esta frase é correta. Encontrei-a num livro brasileiro:

«Um índio decidiu ajudar os novos vizinhos e lhes ensinou a cultivar abóboras e milho...»

Suponho que usam lhes porque é ensinar alguma coisa a alguém, mas, por outro lado, é «ensinar alguém (sem preposição) a fazer alguma coisa». Então a frase não deveria ser «Um índio decidiu ajudar os novos vizinhos e ensinou-os a cultivar abóboras e milho...»?

Obrigado pela sua resposta.

Resposta:

Aceita-se «e lhes ensinou a cultivar abóboras».

Acerca do uso de ensinar com infinitivo, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 519) observam o seguinte (manteve-se a ortografia original):

«Quando a "coisa" ensinada vem expressa por um infinitivo precedido da preposição "a", a língua actual oferece-nos dois tipos de construção:

a) ensinar-lhe a + infinitivo

b) ensiná-lo a + infinitivo

Comparem-se estes dois exemplos:

Em vão ensinara-lhe a proteger os animais das pragas e dos vendavais.
(Nélida Piñón, CC, 52)

Tinha de o convencer, de o ensinar a ver claro.
(Urbano Tavares Rodrigues, PC, 154)»

Pergunta:

Existe a palavra laborativo?

Resposta:

O Dicionário Priberam regista laborativo como o mesmo que laboral. Também o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora UNESP, 2004) acolhe laborativo, como adjetivo que significa «de trabalho» e atestado pela seguinte abonação: «O acidente resultou em diminuição da capacidade laborativa.»

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da palavra chasquiçava inscrita no livro de Miguel Torga Os Bichos, no conto Nero, na seguinte frase:

«... Enquanto a dona mondava o trigo, chasquiçava batatas ou enxofrava a vinha...»

Agradeço a atenção.

Resposta:

No contexto apresentado, chasquiçava significa «sachava1 batatas, para eliminar erva».

O verbo chasquiçar é um regionalismo de Trás-os-Montes que é usado nas eguintes aceções:

a) «afiar um pau na extremidade, para, por ex., o espetar no solo», «chuçar», «atiçar»;

b) «sachar as batatas, para eliminar a erva».

Esta informação encontra-se em Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro (Lisboa, Âncora Editora, 2013), de A. M. Pires Cabral, autor que, ainda a respeito do mesmo verbo, regista uma abonação que é justamente a frase de Miguel Torga citada pelo consulente.

1 Sachar significa «lavrar, escavar ou mondar (a terra) com o sacho» (Dicionário Houaiss). Um sacho (do latim SARCŬlU-, «enxada, instrumento de cavar a terra»; cf. idem) é uma «pequena enxada que dispõe de uma peça pontiaguda ou bifurcada na parte superior do olho, us. para mondar e escavar a terra» (idem). Sobre o uso deste termo em Portugal e na Galiza, consultar o Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e Portugués, recurso disponível nas páginas do Instituto da Língua Galega.

Pergunta:

Minha dúvida é acerca da transitividade dos seguintes verbos: pesquisar, consultar (consultor/consultoria) e assessorar (assessor/assessoria). Por exemplo, em frases como estas:

1. O rapaz pesquisou sobre direito constitucional.

A preposição sobre introduz objeto indireto, ou adjunto adverbial? É correto usar a preposição sobre?

E agora os verbos consultar e assessorar, quando utilizados com relação à profissão de assessor e consultor, em frases como:

2. A profissional consultou a empresa X sobre as suas finanças.

3. A profissional assessorou a empresa X sobre as suas finanças.

Nessas frases 2 e 3, a preposição sobre introduz um objeto indireto, ou um adjunto adverbial?

Muito obrigado.

Resposta:

Em todos os casos, está correto o uso da preposição sobre, que ocorre a introduzir um complemento preposicionado (complemento indireto na terminologia usada no Brasil; complemento oblíquo na terminologia empregada em Portugal).

Assim:

– «pesquisar alguma coisa» ou «sobre alguma coisa» – cf. Francisco da Silva Borba, Dicionário Gramatical de Verbos, Editora UNESP, 1991: «Ocorre também com o complemento da forma sobre + nome»;

– «consultar alguém a respeito de/sobre alguma coisa» – cf. Dicionário de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Editora, 2007: «O rapaz, curioso, consultou um linguista sobre a etimologia de uma palavra»;

– «assessorar alguém em/sobre alguma coisa» – cf. Celso Pedro Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal, Editora Ática, 2003; mas observe-se, a respeito de assessorar, que, embora este verbo se empregue com a preposição em («assessora-o em matéria económica») e tendo em conta que o substantivo correspondente assessoria pode selecionar a preposição sobre em lugar da preposição em, é legítimo aceitar o complemento verbal também introduzido por sobre.