Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a família das palavras especial, simples e expansão?

Resposta:

Seguem-se alguns vocábulos que pertencem à família de cada palavra em questão:

– especial (adjetivo)  especializar, especialmente, especialidade, especialista;

 simples (adjetivo)  simplificar, simplismo, simplicidade, simplesmente, simpleza:

 expansão (susbtantivo)  expansivo, expansionismo, expansível.

Pergunta:

A Junta de Freguesia do Painho vem por este meio solicitar a vossa ajuda para a compreensão e o significado da palavra Chães. A Freguesia do Painho situa-se no extremo norte do distrito de Lisboa, e dispõe de 49 códigos postais, que correspondem aos "casais" existentes na nossa freguesia.

Desde já o nosso agradecimento.

Resposta:

José Pedro Machado regista Chães como topónimo no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, localizando-o apenas em Barcelos e Felgueiras e propondo uma eventual relação com o plural de chão, que, em vez de chãos, passaria a "chães", talvez (sugere-se agora aqui) por analogia com capitão, que pluraliza como capitães. Estes plurais foram frequntes no português popular, como se pode verificar num artigo de Leite de Vasconcelos (1858-1941), que os registou na região de Óbidos, alguns quilómetros mais a norte da zona do Cadaval ("Ementas Gramaticais", Revista Lusitana, vol. XXXVII, 1939, pág. 6):

«[...] Mais pl[urais] em -ães, do concelho de Óbidos: chães "chãos", pinhães [pinhões], malães "melões", piães "peões", coraçães, grães, testães, mas mãos [...].»

Observe-se, no entanto, que uma consulta na Internet permitiu localizar um blogue que faculta alguns pormenores sobre o significado original deste topónimo na região do Sabugal (distrito da Guarda), mais precisamente em Vilar Maior (Memórias de Vilar Maior, minha terra, minha gente; sublinhado meu):

«Quanto aos chães eram, como as tapadas, propriedades muradas, por norma, em altitudes inferiores e de área mais reduzida e com uma terra mais forte, mais abrigados dos ventos prestavam-se à cultura do trigo (nomeadamente o trigo sacho), do milho, do gravanço, do tremoço. Por vezes, serviam rotativamente de nabal, de batata secadal e até de meloal. As paredes com boa exposição solar serviam para amparo a latadas. São tão disseminados que eu penso que mesmo uma pessoa tão versada como o sr Jarmeleiro terá ...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a função da vírgula na frase abaixo. Estaria ela separando um adjunto adverbial de lugar, ou uma locução denotativa?

«Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que...»

Desde já, obrigado.

Resposta:

As vírgulas estão bem aplicadas, porque se trata de um adjunto adverbial. É, no entanto, discutível dizer que tem valor locativo, visto que é igualmente válido considerá-lo um adverbial de campo ou aspecto, conforme propõe Evanildo Bechara na sua Moderna Gramática Portuguesa (37.ª edição, 2009, p. 448):

«Adjunto adverbial de campo ou aspecto – É o adjunto adverbial que exprime o campo ou o aspecto da relaidade referida:

O primo formou-se em medicina.
Deixaram de examinar a questão por esse prisma.

Nos exemplos abaixo, a circunstância se aproxima à de lugar virtual:

Cometeu-se grave erro nesse tipo de explicação.

A decisão do júri surpreendeu a todos sob o ponto de vista ético

A expressão «na forma da lei» pode, portanto, ser tratada da mesma maneira.

Note-se que a expressão em causa não é palavra ou locução denotativa (termo constante da Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959), porque não é palavra que tenha uma função discursiva estável (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 548/549).

Pergunta:

Diz-se «a roupa está enxugada», ou «a roupa está enxuta»?

Resposta:

O correto é «a roupa está enxuta».

Sobre o adjetivo participial enxuto (também considerado um particípio passado) e o particípio passado enxugado, observa Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora Unesp, 2003):

«[...] 2. A  forma enxugado é usada com os verbos ter, haver e ser. ♦ Deveria ter ENXUGADO melhor o cabelo, a água escorria pela nuca, molhava a gola da minha camisa [...] ♦ Para quem pensa que é fácil, imagine-se uma cena de Chatô em que dona Branquinha, a primeira mulher dele, reclama depois da noite de núpcias que o marido havia se ENXUGADO na toalha dela e que isso daí para a frente estava proibido. [...] ♦ Uma lágrima furtiva foi carinhosamente ENXUGADA por Jaime.

3. A forma enxuto é usada como particípio, com o verbo estar, e também é usada como adjetivo. ♦ Estava ENXUTO o cantil [...] Ao final da reforma, o banco deverá estar ENXUTO como uma instituição financeira privada. [...] ♦ O cardápio é ENXUTO - cachorro-quente, cerveja e sorvete. [...] ♦ No seu rosto de bronze, ENXUTO de carnes, os olhos fuzilavam. [...]»

Pergunta:

Na frase «Tudo aquilo era muito estranho», tudo é um quantificador universal.

Na frase «Tudo pode acontecer», tudo é um pronome indefinido.

No verso de Camões «Enfim, tudo o que a rara Natureza...», tudo é um quantificador universal, uma vez que se encontra antes de o, que é um pronome demonstrativo?

Resposta:

O Dicionário Terminológico é omisso quanto ao uso de tudo com demonstrativos, mas duas gramáticas – Zacarias Santos Nascimento e Maria do Céu Vieira Lopes, Domínios – Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Plátano Editora, 2011, p. 168; e Cristina Serôdio et al., Nova Gramática Didática do Português, Santillana/Constância, 2011, p. 135 – classificam tudo entre as formas invariáveis dos quantificadores universais. A primeira das gramáticas referidas chega mesmo a anotar:

«Tudo e nada ocorrem como quantificadores, antecedendo pronomes demonstrativos em construções como:

Tudo isto é chover no molhado.
Tudo isto é inconcebível.
[...]»

Em relação a «o que», esta forma pode ser considerada globalmente como um pronome relativo ou como a associação de um pronome demonstrativo e de um pronome relativo. Seja como for, tudo deve também ser classificado como quantificador universal quando precede «o que».