Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o significado do provérbio «candeia que vai à frente alumia duas vezes»?

Resposta:

No Dicionário de Provérbios. Francês-Português-Inglês (Lisboa, Contexto, 2000), de Roberto Cortes de Lacerda, Helena R. Cortes de Lacerda e Estela dos Santos Abreu, que recolhem este provérbio e um outro de significado muito próximo – «a candeia que vai adiante é que alumia» –, considera-se que estes dois provérbios significam que, em vida, não se deve deixar nada por fazer. No entanto, outra interpretação é possível, como a proposta por Madeira Grilo, em Dicionário de Provérbios (Município de Pinhel e Madeira Grilo, 2009, pág. 130), que o parafraseia assim: «Se caminharmos na dianteira de alguém, temos melhores possibilidades de atingirmos a nossa meta.» É ainda possível entender este provérbio de outro modo: assim como a candeia ilumina o caminho para a pessoa que a segura e para aqueles que a acompanham, também o espírito de iniciativa de alguns contribui para o proveito de outros.

Pergunta:

Alguém pode "rotar" depois de comer? Será que o correto é arrotar, isto é, emitir gases do estômago pela boca? E o verbo rotar? Existe, ou não?

Grato.

Resposta:

A forma rotar não se encontra atualmente registada nos dicionários como sinónimo de arrotar.¹ No entanto, ela está pressuposta na análise de arrotar e até pode ter existido na história do vocabulário do português, confome se pode concluir pela nota etimológica do Dicionário Houaiss associada ao radical arrot- (abreviaturas desenvolvidas)

«[...] do verbo latino eructāre, ´arrotar; dar golfadas, vomitar´, [...] ou do verbo latino ructāre, ´arrotar; dar golfadas´ (fonte do anterior e de ructus, ´arroto´ – donde o italiano rutto, o friulano rut, o francês, provençal e catalão rot), com a- protético; o primeiro registro atestado no português, já no século XV, é de uma forma arcaica, rotar, o que parece corroborar a segunda hipótese; a cognação vernácula inclui arrotação, arrotado, arrotador, arrotar, arrote, arroto ´eructação´, arroto-choco, arroto-de-gruna; o dicionário (1976) da Academia das Ciências de Lisboa, s.v. arrotar,propõe *eruptare (de eruptus, particípio passado de erumpĕre ´fazer sair bruscamente´) em substituição de eructāre; essa hipótese não leva em conta a forma verbal rotar, que depois se fez arrotar, por influxo do substantivo arroto, do século XIV, não podendo, assim, ser regressivo de uma forma (arrotar) cronologicamente posterior, que sofreu, no a- protético, o influxo de arroto; esta, por sua vez, provinda de ructus (ructu-), deve desde sempre ter emergido sob essa forma, dada a existência, desde o século XI, de roto < ruptu- ´rompido´ [...].»

¹ Contudo, regista-se <...

Pergunta:

Porque a palavra muito é pronunciada como sendo nasalada?

Resposta:

O ditongo ui de muito é efetivamente nasal. A explicação é dada por Edwin B. Williams, Do Latim ao Português (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 2001, 73; manteve-se a ortografia original):

«[...] O m inicial por vêzes nasalizava a vogal seguinte: matrem > mãe; mĕam > mĩa > minha; mĭhī > mi > mim; multum > muito [mũjntu]. Êsse fenômeno é muito comum no português dialetal e popular: mensem > mês > mẽs (R[evista] L[usitana], V, 59); mensam > mesa > mensa (R[evista] L[usitana], V, 58); mĭssam > missa > minsa (opúsculos, II, 313); mūlum > muu > (R[evista] L[usitana], XXVI, 249); formas do verbo medir (R[evista] L[usitana], XXVI, 254, s. v. mil) [...].»

Pergunta:

Gostaria de saber qual o nome atribuído aos habitantes de Novais. São "novaenses"?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Considerando que Novais tem origem na substantivo comum noval, «terra deixada em descanso por um ano» (Dicionário Houaiss) e «arroteia» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), é de aceitar que o respetivo gentílico seja novalense, à semelhança do modelo de Vinhais, cujo gentílico vinhalense se forma com o radical vinhal-, idêntico à própria palavra vinhal («terreno onde há vinhas», idem), no singular.

Pergunta:

Diz-se para as emulsões de «óleo-em-água» (como em inglês), ou «óleo em água»

Resposta:

Recorremos ao sítio Linguee e verificamos que, para traduzir a expressão inglesa oil-in-water testing, se prefere a expressão «pesquisa de hidrocarbonetos na água». Contudo, se pretende empregar a tradução literal, escreva «óleo em água», sem hífenes, porque as locuções com elementos de ligação não têm hífen, a não ser que designem espécies botâncias ou zoológicas (Acordo Ortográfico de 1990, Base XV, 6). Trata-se, de todos os modos, de uma expressão própria de um domínio muito especializado, cuja tradução requer também a identificação dos usos mais generalizados entre os profissionais desse ramo.

 

CfQual é a origem da palavra «água»? + Viagem pelos nomes da água