Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a etimologia da palavra tipografia?

Qual o seu sentido contemporâneo?

Resposta:

A palavra tipografia é palavra que surgiu em português por via erudita, sendo formada por dois elementos: tipo-, do grego túpos, ou, «marca feita de golpe, marca impressa, figura, símbolo, emblema», e -grafia, que, por sua vez, compreende o radical graf-, do grego graphē, ês, «escrita, escrito, convenção, documento, descrição», e o sufixo derivacional -ia, que forma substantivos abstratos (cf. Dicionário Houaiss).

Está dicionarizada, pelo menos, desde o século XVIII (ver Dicionário Houaiss). No entanto, é possível que a palavra já se usasse antes, como sugerem Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão, em Dicionário do Livro (Edições Almedina, 2008), s. v. tipografia:
«Criação de carcteres para uso em impressos. Arte de compor e imprimir, reproduzindo o texto por meio de caracteres; a designação primitiva da tipografia foi a expressão ars impressoria, também designada calcographia antes que, no final do século XV, passasse a ser conhecida como tipographia. Lugar onde se imprime. Gráfica. Estabelecimento tipográfico. Arranjo ou estilo do texto tipográfico.»

São estes, portanto, os seus significados que chegaram até à contemporaneidade.

 

Cf. Os 60 anos da tipografia que virou ícone

Pergunta:

Gostaria de saber o valor semântico do vocábulo se no seguinte contexto. A meu ver ver, o valor semântico se aproxima de advérbio de intensidade, talvez equivalendo a como, quão. Não seria isso?

«Tenho muitas saudades de meu tempo de infância: gostaria que esse tempo voltasse. Seria muito bom... e se seria!»

Resposta:

Segundo Domínios – Gramática da Língua Portuguesa  3.º Ciclo e E. Secundário (Plátano Editora, 2011, pág. 190), as frases exclamativas podem ser assinaladas pela presença da conjunção condicional se selecionando conjuntivo: «Se não vivesse acima das suas possibilidades!»

Mas outros tempos verbais são compatíveis com se condicional em frase exclamativa, muitas vezes como resposta a uma pergunta ou comentário à observação de um interlocutor:

– Gostava de ir a Marte?

– Se gostava! (pretérito imperfeito)

– Come muitos chocolates, não come?

– Se como! (presente do indicativo)

– O exame foi difícil, acho.

– Se foi! (pretérito perfeito do indicativo).

Pergunta:

O nome oficial da capital do México é Ciudad de México, e nós, os lusoparlantes, por metonomásia, dizemos «Cidade do México». Informalmente ao que tudo indica, também se dizem «Cidade da Guatemala», «Cidade do Panamá», «Cidade de Cingapura», «Cidade do Kuwait». No Brasil de outrora, a capital do estado da Paraíba era oficialmente denominada Cidade da Paraíba, hoje se chama João Pessoa; já a segunda e atual capital do estado de Minas Gerais era, também oficialmente, a Cidade de Minas, posteriormente denominada Belo Horizonte, crisma que perdura até hoje. Há muito que acho curioso que o nome da capital de um país, ou de um estado, fosse formado com a palavra cidade + a preposição de (contraída ou não com artigo) + o nome desse país ou desse estado. E também há muito que especulo se seria porque, em outras épocas, as capitais desses países ou estados eram as únicas com status de cidade, enquanto os demais núcleos urbanos eram vilas, ou se seria porque a palavra cidade tinha também o sentido de capital, isto é, a cidade onde está sediado o governo de um país, estado, etc., porém nunca encontrei a explicação, razão pela qual agora a peço ao nosso sapientíssimo Ciberdúvidas.

Muito obrigado.

Resposta:

Não posso confirmar a hipótese do consulente. É certo que, quando se nomeava uma localidade, havia várias formas de a denominar em função da sua importância. Um centro administrativo teria o estatuto de cidade, mas há cidades na atualidade que eram originalmente chamadas vilas, até porque na Idade Média e mesmo em períodos mais tardios1 se usava frequentemente vila; esta denominação ficou frequentemente fixada na forma do topónimo: Vila Real (Trás-os-Montes); Vila Rica (a atual Ouro Preto, Minas Gerais). Em relação ao Brasil, pelo menos, até ao século XVIII, não é certo que cidade se aplicasse siatematicamente a uma capital. Refira-se o caso de Vila Boa, que recebeu o estatuto de vila e se tornou capital da capitania de Goiás em 1749 (cf. Laurent Vidal, "Sob a máscara do colonial. Nascimento e ´decadência` de uma vila no Brasil moderno: Vila Boa de Goiás no século XVIII, História - São Paulo, vol. 28, n.º 1, 2009, edição em linha).

1Leia-se o seguinte apontamento na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, s. v. cidade (manteve-se a ortografia do original): «Na Idade-Média reservou-se a categoria de cidade, quási exclusivamente, às sedes episcopais. A designação passou depois a aplicar-se às povoações muralhadas, com um número relativamente grande de habitantes. Por fim o uso da categoria de cidade, meramente honorífico, passou a atribuir-se a várias terras, sem que uma norma determinada regulasse a sua aplicação.»

Pergunta:

A conjunção como pode ser usada como conjunção concessiva? E na construção abaixo que valor semântico expressa o referido vocábulo, não seria concessão?

«Bem cuidado como é, o livro apresenta alguns defeitos.»

Resposta:

É difícil afirmar que, no contexto em questão, a palavra como seja uma conjunção subordinativa concessiva. O tipo de construção em apreço é muito semelhante a certas fórmulas concessivas descritas por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 601), entre as quais ocorre uma que inclui a conjunção que com valor concessivo:

«/Padre que seja,/ se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo» (Machado de Assis).

Os mesmos autores advertem, no entanto, que «[f]ilólogos eminentes [...] consideram que, em tais construções, o que é um pronome relativo em função de predicativo».

Deste modo, parece que o valor concessivo da frase em questão não está associado especificamente à palavra como, antes deve ser encarado como um valor marcado globalmente pela sequência «bem cuidado como é». E, nesta oração, como pode ser classificado como um advérbio relativo.

Pergunta:

O segundo e do topónimo Sever deve ler-se aberto, ou fechado como no verbo ver?

Resposta:

As fontes consultadas sugerem variação e talvez mudança no padrão da pronúncia deste nome próprio. O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, regista a forma Sever com a indicação de que o e da sílaba final é fechado. No entanto, António Emiliano, em Fonética do Português Europeu – Descrição e Transcrição (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 350), transcreve os geónimos Sever (nome de rio) e Sever do Vouga com e aberto: [sɨˈvɛɾ].