Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Uma dúvida que já me persegue há algum tempo: no caso de um pronome pessoal que surja após uma oração intercalada a uma oração subordinada, deve-se usar próclise (pensando na oração original), ou ênclise (pensando na pausa causada pela intercalação)?

Num exemplo prático, qual das orações abaixo estaria bem escrita:

a. «[...] dos grupos que, conforme visto em outros autores, se têm formado [...]»

b. «[...] dos grupos que, conforme visto em outros autores, têm-se formado [...]»

Desde já, meus sinceros agradecimentos por quaisquer orientações a respeito!

Resposta:

Considera-se melhor a opção a., dado que a conjunção que atrai o pronome átono. No português europeu é mesmo a opção correta. Na perspetiva do português do Brasil, convém, no entanto, atentar no diz Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2003, pág. 588), a respeito da colocação do pronome átono numa oração subordinada (incluindo os casos que incluem uma intercalada):

«[...] Não se pospõe, em geral, pronome átono a verbo flexionado em oração subordinada:

"Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro." [...]

OBSERVAÇÃO: Quando se trata de orações subordinadas coordenadas entre si, às vezes ocorre a ênclise do pronome átono na segunda oração subordinada. Também quando na subordinada se intercalam palavras ou oração, exigindo uma pausa antes do verbo, o pronome átono pode vir enclítico: "Mas a primeira parte se trocou por intervenção do tio Cosme, que, ao ver a criança, disse-lhe entre outros carinhos..." [...] Em todos estes e outros casos que se poderiam lembrar, a ação dos gramáticos se tem dirigido para a obediência ao critério exposto, considerando esporádicos e não dignos de imitação os exemplos que dele se afastam.» 

Pergunta:

Solicito o favor de me informarem qual a palavra ou termo sinónimo de «falta de fio nos teares».

Obrigado pela atenção.

Resposta:

À falta de fio nos teares chama-se mingança, palavra que vem registada como regionalismo no Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (versão em linha na Infopédia). Também o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, acolhem o vocábulo em apreço, com o mesmo significado.

Pergunta:

Gostaria de saber se se usa e é legítimo (ou se fui eu que a "inventei") usar a expressão «agora por isso», em alternativa a «por falar disso», «a propósito» e outras que me poderão estar a passar.

Gostaria de saber se há alguma citação que eu possa apresentar a quem diz que nunca ouviu falar de tal expressão.

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de uma expressão conhecida, usada coloquialmente, muitas vezes
sob a forma «e agora por isso», pelo menos em Portugal, mas não atestada
nos dicionários consultados (dicionário da Academia das Ciências, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme A. Simões, Dicionário Houaiss). Não obstante, foi possível achar duas atestações, ambas de textos da autoria do escritor português Júlio Dinis (1839-1871), que se encontram no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira:

«Eu cá de romances não entendo. E agora por isso lembra-me que aquele endiabrado rapaz, o Carlitos, teimava que me havia de emprestar lá uns romances.. », Uma Família Inglesa;

«[...] mas sou eu só em casa, como V. Ex.ª sabe, a fazer o serviço, e a idade já me vai pesando. E agora por isso vem a pêlo dizer a outra coisa que me trouxe cá. [...]», Os Fidalgos da Casa Mourisca.

Trata-se,
de qualquer modo, de uma expressão que ocorre em diálogos, o que
reforça o anteriormente dito sobre o seu caráter coloquial.

 

Pergunta:

Qual a origem do nome bolhão para caracterizar uma boa parte das moedas medievais?

Resposta:

A palavra em apreço também é escrita bulhão e designa «prata baixa, muito ligada», segundo o Dicionário Houaiss, onde em nota etimológica se refere o seguinte: «fr. billon ´lingote` der. de bille < lat.vulg. *bīlia ´tronco de árvore`, de orig. gaulesa; no séc. XV bolhão, pl. bolhões, ocorrem também as var. bilhão, belhão e bulhão

Pergunta:

A palavra ortógrada existe em português?

Resposta:

Existe, como feminino de ortógrado, adjetivo que se aplica ao «[...] animal (homem) que mantém o corpo recto na marcha» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado; manteve-se a ortografia do original). Trata-se de um composto híbrido, fomado pelo elemento orto-, do grego orthós, «direito, correto», e pelo elemento átono -grado, com origem no latim gradus, us, «passo, degrau, grau» (cf. Dicionário Houaiss).