Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nos textos sobre o período da Implantação da República, particularmente os que tratam da questão religiosa, surge muitas vezes o termo Congreganismo (grafado com inicial maiúscula). Pode considerar-se correto o uso da maiúscula? Também para este caso, não seria mais correto dizer-se "Congregacionismo", uma vez que o primeiro termo não está dicionarizado (pelo menos em 4 dicionários que consultei)?

Grato.

Resposta:

O termo congreganismo, que não tem de ter maiúscula inicial (cf. socialismo e neoliberalismo), está correto e diz respeito a «formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano», conforme se explica num artigo (Marco Silva, "António Lino Neto: em nome de recristianização de Portugal", in Religião e Cidadania, coord. António Matos Ferreira e João Miguel Almeida, págs. 271-281), onde também se lê (idem, pág. 278, n. 24; as sequências entre aspas altas são citações de António Matos Ferreira, "Congreganismo", Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000):

«A utilização da expressão congreganismo, como conceito oitocentista, refere-se, portanto, à dinâmica católica, distinguindo-se do congregacionismo protestante. O congreganismo diz, portanto, respeito a formas organizacionais criadas nos moldes do catolicismo romano: "diversas formas organizadas de vida consagrada masculina ou feminina, canonicamente estatuída dentro do catolicismo romano e expressa através de votos, simples ou solenes, de pobreza, castidade e obediência, e que encerram teologicamente uma dimensão escatológica corporizada na própia vida comunitária, diferenciando-se da organização secular e diocesana." [...] A questão congreganista assumiu [...] um espaço importante no debate político-religioso em Portugal no final da Monarquia Constitucional e durante a I República, pois "esta contenda assumiu progressivamente uma dimensão ideológica que a converteu em instrumento de luta política por parte do radicialismo liberal e...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem de meu sobrenome Coura e se existe brasão deste sobrenome.

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, Coura é um topónimo (nome de rio* e de lugar; cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), que pode ter passado a apelido, apesar de não não ter sido possível achar atestações desse uso (cf. idem). No entanto, observe-se que na Galiza existe o apelido Coira, especialmente concentrado na Corunha e em Lugo, bem como em Catoira, na província de Pontevedra (cf. Cartografia dos Apelidos da Galiza, do Instituto da Língua Galega), o qual pode estar relacionado com Coura, tendo em conta que algumas formas galegas, por razões históricas, apresentam ditongo -oi- (por exemplo, Boiro, coiro) quando existem formas portuguesas provavelmente paralelas cujo ditongo correspondente evoluiu para -ou- (Bouro, couro). Refira-se ainda que Manuel Sousa, em As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas (Mem Martins, Sorpress, 2001), regista o apelido Couros, sem que se possa precisar uma relação direta com Coura.

Não foi possível e...

Pergunta:

Por que razão a palavra júnior não se acentua no plural?

Grata.

Resposta:

A explicação mais corrente para a palavra júnior ter o plural juniores, sem acento gráfico, mas de acentuação grave (o acento tónico desloca-se para a sílaba -o-), é a de não existirem em português palavras sobresdrúxulas, isto é, acentuadas na sílaba anterior à penúltima, pelo menos, na perspetiva ortográfica, assim impossibilitando a forma *"júniores" (não obstante, ela pronuncia-se).* No entanto, tal explicação, se é válida do ponto de vista didático, não consegue dar conta de como a sílaba tónica do plural é -o-, e não -ni-, ou seja, não dá conta da inaceitabilidade de *"juníores", que, sendo esdrúxula, seria uma palavra plausível quanto à colocação do acento, mas que não coincide com os plurais em uso, o correto, juniores, e o incorreto, "júniores".

As razões etimológicas conseguem justificar adequadamente o plural normativo, porque a palavra júnior, tendo surgido no português por via culta, manteve o antigo contraste acentual entre o singular e o plural do étimo latino. No latim, o nominativo do substantivo junior, que era proparoxítono (sílaba tónica ju-), via o acento tónico deslocar-se para a sílaba -o- no genitivo juniōris, como se indica no Dicionário Houaiss: «lat. junior, ōris, ´mais jovem`, comp. de superioridade do lat. juvĕnis, e, e juvĕnis, is, ´jovem, novo (com respeito a seres vivos), juvenil` [...].» O nominativo plural de juniorjuniōres, tinha também acento tónico na sílaba -o-, visto incluir o mesmo radical que o genitivo, juniōr-.

* Nesta discussão, há que distinguir acentuação gráfica de acento fónico. A sequência gráfica -io-...

Pergunta:

Após ler a resposta Os gentílicos de Calecute e de Nova Deli (Índia) constatei que as principais fontes lexicográficas grafam a capital da Índia sem qualquer tipo de acentuação. No entanto, verifico que na esmagadora maioria das vezes Deli é pronunciada como paroxítona (DÉli) e não como a grafia parece indicar (deLí). Será este um daqueles casos em que os vocabulários se afastam da pronúncia real das palavras, como em Burundi ou Quiribati sem acento (se bem que haja quem os grafe Burúndi e Quiribáti, a meu ver bem)? Ou será que a pronúncia com a tonicidade na penúltima sílaba é influência anglófona a evitar? Sancionando-se a pronúncia comum, não deveríamos aceitar "Nova Déli"?

Muito obrigado.

Resposta:

Pouco tenho a acrescentar ao que o consulente diz, perguntando. É bem provável haver influência inglesa na pronúncia de Nova Deli* – e a colocação do acento tónico na sílaba de- legitimaria efetivamente uma alteração gráfica, para passar a escrever-se, como propõe, Nova Déli.

Note também que, no caso de Burundi, o Dicionário Houaiss deixa uma breve anotação, sem tirar especial ilação de natureza ortográfica:

«[...] a tônica em Burundi e afins é flutuante, já em -rún-, já em -di [...].»

Como compreende, sobre este e outros casos, cumpre-nos assinalar a discrepância entre a fonia e a grafia, mas não podemos tomar decisões quanto à forma correta, uma vez que, para tanto, existem, tanto em Portugal como no Brasil, instituições e entidades a quem compete fixar a grafia de geónimos.

* No Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, regista-se Deli, anotando-se que é «Inexacta a forma Delhi». Ver também Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra, Atlântida, 1947, p. 363).

Pergunta:

Como se escreve o "adjectivo verbal" da palavra recheio? Será "recheado", ou "recheiado"?

Resposta:

A palavra em questão escreve-se recheado. Trata-se de um adjetivo participial, isto é, tem origem no particípio passado recheado, que faz parte da flexão do verbo rechear. Não se trata, portanto, de palavra que se relacione diretamente com o substantivo recheio por um processo de derivação.