Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a fazer uma tradução para uma página Web de receitas e gostaria de saber qual é a forma mais correcta de traduzir tiramisù. Sendo uma palavra italiana que não tem tradução em português, penso que temos duas possibilidades: ou mantê-la no idioma original escrevendo-a em itálico, ou escrevê-la "à portuguesa", que tenho entendido que seria "tiramissu". No entanto, aconselham-me a escrever "tiramisú". Poderiam esclarecer-me relativamente a este assunto? 

Agradeço, desde já.

Resposta:

O termo em questão realmente não se traduz, tem é um aportuguesamento, tiramisu (cf. Vocabulário Ortográfico do Português, que apresenta também o plural tiramisus; ver ainda Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, na Infopédia, e Priberam), do qual se infere a pronúncia "tiramizú". Contudo, não é esta na realidade a forma de articular a palavra por parte de falantes brasileiros e portugueses, que geralmente dizem "tiramissú", com "s" surdo, tal como ocorre na forma italiana original, tiramisù (cf. Treccani.it). Como entre o aportuguesamento gráfico e a sua pronúncia mais generalizada existe uma incongruência à luz dos princípios ortográficos do português, talvez fosse oportuno repensar a sua adaptação ao português. Por isso, e enquanto não se resolve este problema, pode-se sempre optar pela grafia italiana, mas, nesse caso, deve usar-se a palavra entre aspas ou em itálico. Observe-se, de resto que outros vocabulários ortográficos – o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e o VOLP da Porto Editora, na versão impressa publicada em 2009 – incluem* este substantivo na secção de estrangeirismos sem adaptação ao português.

Já agora, acrescente-se que este é o nome de uma deliciosa sobremesa italiana, que consiste num «doce confecionado com camadas de bolo ou biscoitos de massa fofa, envolvidas em café que alternam co...

Pergunta:

Minha dúvida é a seguinte: dependendo da interpretação, as sentenças «realizar uma proposta» e «idealizar uma proposta» podem ser sinônimas?

Resposta:

Podem, se se considerar que os dois verbos são praticamente sinónimos quando realizar significa «fazer, efetuar», e idealizar se usa na aceção de «conceber, criar» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, na Infopédia). Como proposta é um produto mental, «realizar uma proposta» acaba por se confundir com «idealizar uma proposta». Mas deve tomar-se em conta também o contexto, porque uma proposta pode materailizar-se como o texto de um documento. Nesse caso, os dois verbos não coincidem, e idealizar refere as operações mentais de elaboração da proposta, enquanto realizar remete para a tarefa subsequente de redação.

Pergunta:

Diz-se rentabilizar, ou rendibilizar? Estas palavras são sinónimas?

Resposta:

As duas formas verbais são sinónimas, estão dicionarizadas e até estão registadas nos vocabulários ortográficos mais recentes, a saber, o Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Porto Editora (disponível na Infopédia), e o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa. No entanto, observe-se que rentabilizar, discutível por causa das reservas que a base donde deriva, rentável, levanta do ponto de vista normativo, é mais usado do que rendibilizar. Com efeito, no Corpus do Português, rentabilizar conta com 46 ocorrrências, enquanto rendibilizar figura apenas 4 vezes. Refira-se, ainda, que o VOLP da Academia Brasileira de Letras só acolhe rentabilizar e nem sequer inclui a forma rendibilizar, que os puristas consideram mais consistente do ponto de vista morfológico.

Pergunta:

Qual a forma mais correcta de pronunciar -gnosia, como no exemplo farmacognosia? Tendo em conta a sua etimologia grega, qual será mais correcto: "gnosia", ou "gnósia"?

Resposta:

O elemento de composição -gnosia tem acento tónico na sílaba -si-, portanto, pronuncia-se, "gnosía". Sobre este elemento de composição observa-se no Dicionário Houaiss (algumas abreviaturas desenvolvidas):

«pospositivo, do grego gnôsis, eōs, ´ação de conhecer, conhecimento, ciência, sabedoria` + o suf. -ia formador de substantivos abstratos, de várias épocas (agnosia, p. ex., é grego clássico), com ênfase em compostos do século XIX em diante: acognosia, agnosia, anagnosia, astrognosia, etnognosia, etognosia, farmacognosia, fitognosia, geognosia, metagnosia, oreognosia, orognosia, psicognosia [...].»

Ou seja, tal como os compostos geografia ou biologia, que incluem o sufixo -ia, têm todos acento tónico na penúltima sílaba (em -fi e -gi-, respetivamente; são palavras graves), também os compostos que integram -gnosia – p. ex., farmacognosia, «parte da farmacologia que trata das drogas ou substâncias medicinais em seu estado natural, antes de serem manipuladas» (idem) – são palavras graves.

Pergunta:

Como se escreve o termo técnico pós-emergente para se referir a aplicação de produto químico na agricultura? Por acaso essa palavra perdeu o hífen de acordo com a nova ortografia?

Resposta:

A forma correta é pós-emergente, como pós-escolar ou pós-industrial. Sublinhe-se que a forma pós-, como pré- e pró-, é considerada um prefixo tónico, e, como tal, é sempre seguida de hífen, ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990, Base XVI:

«f) Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas, que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tónico/pós-tônicos (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).»

Note-se que este preceito não altera, em relação aos referidos prefixos, o que estipulavam as regras ortográficas anteriormente vigentes em Portugal, as do Acordo de 1945, Base XXIX:

«16.°) compostos formados com prefixos que têm acentos gráficos, como além, aquém, pós (paralelo de pos), pré (paralelo de pre), pró (com o sentido de «a favor de»), recém: além-Atlântico, além-mar; aquém-Atlântico, aquém-fronteiras; pós-glaciário, pós-socrático; pré-histórico, pré-socrático; pró-britânico, pró-germânico; recém-casado, recém-nascido

Nem as que existiam no Brasil, ao longo dos anos em que vigorou o