Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «É uma profissão como as outras», como classificar «as outras»? Como locução pronominal indefinida?

Resposta:

Trata-se de um pronome indefinido que coocorre com o artigo definido.

Note-se que o Dicionário Terminológico (DT) prevê a coocorrência dos determinantes indefinidos pronomes com os artigos (ver B.3. Classes de palavras, B.3.2., Classe aberta de palavras): «Quando o determinante indefinido coocorre com artigos definidos ou indefinidos ou com determinantes demonstrativos, o valor definido ou indefinido da expressão nominal é o veiculado pelo artigo ou pelo determinante demonstrativo.» Por outro lado, o DT define um pronome indefinido como «uso pronominal de um quantificador ou de um determinante indefinido». Ou seja, se os determinantes indefinidos podem ocorrer associados com artigos definidos («as outras profissões»), os pronomes indefinidos correspondentes apresentarão a mesma possibilidade.

Pergunta:

No livro de Raul Brandão As ilhas desconhecidas existe um capítulo cujo título é «a pesca da baleia». Tratando-se de um mamífero e das técnicas de arpoamento, não será mais correto dizer-se «caça à baleia»?

Muito agradeço a vossa ajuda neste imbróglio marinho.

Resposta:

Não sendo a baleia um peixe, é claro que caça é mais adequado. E tanto é possível dizer ou escrever «caça da baleia» como «caça à baleia», pressupondo esta expressão esta outra: «fazer caça à baleia». Mas, tendo em conta que o texto em causa é literário e procura transmitir e recriar a experiência emocional do contacto com o espaço e as gentes dos Açores, não é de admirar que se use pesca, possivelmente em referência a um uso popular. Além disso, a aparente impropriedade lexical não será exclusiva de Raul Brandão ou da língua portuguesa: é de lembrar que, em Moby Dick, o célebre romance do norte-americano Herman Melville (1819-1891), o narrador, Ishmael, chega a afirmar, em jeito de provocação, que a baleia é um certo tipo de peixe, entendido como animal marinho (ver artigo na Wikipédia em inglês).

Pergunta:

A palavra grupo pode ser considerada um nome coletivo, ou é nome comum?

Resposta:

Não há oposição entre nome coletivo e nome comum. Aliás, os nomes coletivos são geralmente nomes comuns.

Quanto a grupo, trata-se de facto de um nome coletivo, relativo a indivíduo ou pessoa (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Existe alguma regra para o sufixo -al quando é referente a plantações ou pomares de árvores de fruto? Como laranjal ou laranjeiral.

Obrigado.

Resposta:

Parece haver uma preferência por associar o sufixo -al ao nome do fruto, embora ele também possa afixar-se ao nome da árvore correspondente:

laranjal, de laranja, mais usado que laranjeiral, de laranjeira: o Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, só apresenta ocorrências de laranjal e do plural laranjais;

– avelal ou avelanal, de avelã, mais que aveleiral, de aveleira: no Corpus do Português só ocorre avelal (trata-se, é certo, de uma única ocorrência, no singular, o que é escasso para generalizações);

– bananal, de banana, mais usado que bananeiral, de bananeira: na fonte já citada só figuram as formas bananal e bananais, nunca bananeiral.

Seja como for, os dicionários apresentam geralmente as duas possibilidades de derivação.

Pergunta:

Na frase «A Divina Comédia de Dante é uma obra inclassificável», inclassificável é um adjetivo qualificativo?

Resposta:

No contexto em causa, inclassificável é interpretável como «sem igual», «extraordinária», e é um adjetivo qualificativo, muito embora não permita a construção de grau, porque já, por si, é um adjetivo que tem inerente um processo de intensificação, sendo, neste caso, equivalente a «muito boa». É de sublinhar, no entanto, que o referido adjetivo costuma ser entendido negativamente, com os significados de «inqualificável» e «digno de censura ou reprovação» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Observe-se que, no contexto apresentado, inclassificável é usado com um significado literal, dedutível dos seus próprios elementos constituintes (o prefixo in-, «não», e o adjetivo classificável, «que pode ser classificado»). É, portanto, natural que o exemplo em discussão possa ser encarado como marginal e constitua um desvio ao uso mais corrente de inclassificável.