Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou trabalhando na tradução de um texto do filósofo alemão Immanuel Kant. Numa nota, ele se refere à descrição de Sumatra de William Marsden e cita um povo, cujo nome em alemão se escreve Rejangs. Consultei o texto do Marsden, cujo original é inglês, e a expressão pouco muda: Rejang. Não encontro nenhuma ocorrência da palavra vertida para o português. Gostaria de saber se há alguma sugestão para a tradução. 

Grato.

Resposta:

Relativamente ao etnónimo rejang, não conheço aportuguesamento de uso consagrado, mas parece-me possível adaptá-lo sob a forma rejangue, que é, aliás, a que ocorre numa obra sobre escritas, intitulada Letras e Memória – Uma Breve História da Escrita (São Paulo, Ateliê Editorial, 2009, pág. 158), de Adovaldo Fernandes Sampaio. 

Convém acrescentar que, em Portugal, continua a recomendar-se, em lugar de "Sumatra", a forma Samatra, que é a tradicional em língua portuguesa. No Brasil, impôs-se a forma Sumatra, como comprova o seu uso em definições de dicionários gerais – cf. Dicionário Houiass, s.v. bataque, «povo que habitra os planaltos de Sumatra»; ver também Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, 2004, s.v. orangotango, onde se diz que a palavra tem origem num «nome inicialmente dado, depreciativamente, pelos indonésios aos habitantes das montanhas e Bornéu e Sumatra»).

Pergunta:

Gostaria de saber se tanto está correcto escrever-se «conhecer a verdade» como «conhecer da verdade». Em que situações se deve escrever de uma forma e de outra? E ainda, podendo ambas ser utilizadas em qualquer caso, porque existem as duas?

Muito obrigado.

Resposta:

O uso de conhecer com a preposição de («conhecer de alguma coisa») está correto, mas, como indica o Dicionário Houaiss, limita-se à linguagem jurídica, nas seguintes aceções: 1 «tomar conhecimento de.» Ex.: «jamais aceitou conhecer das recriminações que lhe eram imputadas»; 2 «tomar (o juiz) conhecimento de uma causa, acolhendo-a por ser competente para julgá-la.» Ex.: «este juiz não conhece da causa»; 3 «tomar (o juízo superior) conhecimento de um recurso interposto.» Ex.: «o Supremo conheceu do recurso.»

Pergunta:

Gostaria de saber como se escreve a expressão "Art Décor". Encontro com muita frequência a ocorrência de "Art Déco", não está errada? Devemos escrevê-la em itálico ou entre aspas na língua original, neste caso o francês, estou certa? E a maiúscula também é aconselhável por se tratar de um nome de um movimento artístico? Agradeço a atenção e aguardo atenciosamente a resposta com a máxima brevidade.

Resposta:

A expressão consagrada é Art Déco, escrita em itálico ou entre aspas, quando se trata de referir, conforme se regista no Dicionário Houaiss, um «estilo decorativo de artes aplicadas, desenho industrial e arquitetura caracterizado pelo uso de materiais novos e por uma acentuada geometria de formas aerodinâmicas, retilíneas, simétricas e ziguezagueantes [Representado em 1925 pela Exposição Internacional das Artes Decorativas, em Paris, teve seu apogeu nos anos 30, mas suas bases estéticas já haviam sido lançadas antes da guerra de 1914]».

Pergunta:

«Beija mão», ou beija-mão: escrevemos com hífen, ou sem hífen?

Resposta:

Com o significado de «ato ou cerimónia de beijar a mão», escreve-se beija-mão, com hífen (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora). O plural é beija-mãos (cf. idem).

Pergunta:

Num texto do Padre António Vieira [...], lê-se uma descrição do pecado que ele compara a uma cara horrível com «a garganta carcomida de alparcas». Qual o significado de alparcas? No Houaiss, no Aurélio e em outros dicionários só encontrei o sinónimo alpargatas, que, obviamente, não faz sentido no texto do Vieira.

Resposta:

Não é "alparcas", mas, sim, alporcas.

Trata-se de um erro de edição ou transcrição do texto consultado, em relação ao original de António Vieira (1608-1697), o Sermão da Publicação do Jubileu. O que se lê efetivamente é «garganta carcomida de alporcas». Alporca significa «escrófula» e tem origem em al- associado à palavra de origem latina porca, ae, «sulco, rego por onde escorrem as águas» (Dicionário Houaiss).

A palavra alporca é também sinónimo, no domínio da agricultura, de mergulhia, alporque ou alporcamento (estes dois vocábulos com o mesmo radical de alporca), «técnica de multiplicação vegetativa em que o caule ou ramo rastejante é coberto de terra, induzindo o enraizamento, e depois separado da planta que o originou», e, como termo relacionado com infectologia, significa o mesmo que «tuberculose linfática», «inflamação dos gânglios linfáticos cervicais, devida à tuberculose» (idem). No Diccionario de Arabismos (Editorial Gredos), de Federico Corriente, atribui-se etimologia híbrida a alporca, uma vez que o elemento al- remonta ao artigo árabe al- (presente em vários arabismos: alguidar, alqueire, alface), e porca tem radical latino, o que sugere que a palavra tenha surgido em português por transmissão de um dialeto moçárabe. Regista-se também o vocábulo derivado alporquento, «escrofuloso» (Dicionário Houaiss e Corriente, op. cit.).