Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O Dicionário Terminológico apresenta entre as diversas classes morfológicas os «Advérbios de frase» e os «Advérbios conectivos», mas dá poucos exemplos para cada uma. Se eu percebi bem, correspondem, respectivamente, a aquilo que gramáticas da língua inglesa chamam de «Disjuncts» e «Conjuncts». Essas gramáticas listam categorias semânticas para cada uma delas ("fact-evaluating", "modal", "subject-evaluating", "addition", "contrast", "adversity", "example", etc.), mas até hoje não encontrei algo similar para o português. Onde é que posso encontrar uma lista completa (na net ou em livros) de advérbios de frase e de advérbios conectivos?

Desde já, obrigado!

Resposta:

Penso que encontra a classificação que procura em O Advérbio em Português Europeu (Lisboa, Edições Colibri, 2008), de João Costa. Desta obra, é possível extrair, muito resumida, a seguinte lista, que não dispensa a consulta directa (Costa, op. cit., págs. 53-63):

Advérbios modificadores de frase (compreendem duas subclasses):

1. Advérbios avaliativos: «denotam uma avaliação feita sobre o conteúdo da proposição» (idem, pág. 53)

a) advérbios avaliativos orientados para o falante: «fornecem informação sobre a atitude do falante relativamente àquilo que é dito» (idem, pág. 54); exs.: francamente, surpreendentemente, felizmente, infelizmente, sinceramente, honestamente, decididamente, lamentavelmente, estranhamente, incrivelmente, curiosamente, categoricamente, forçosamente, irremediavelmente, fatalmente, necessariamente, visivelmente, manifestamente, ostensivamente, notoriamente, erroneamente, exageradamente, oxalá (cf. ibidem).

b) advérbios avaliativos orientados para o ouvinte: subconjunto de a); ocorrem «em contextos interrogativos [...] e em contextos imperativos [..] com verbos epistémicos (como achar, julgar, considerar), volitivos (querer, desejar) ou declarativos (com...

Pergunta:

Na corruptela "Véio", deve haver acento?

Resposta:

Se a consulente se refere a uma variante dialectal ou popular brasileira de velho, saiba que a forma em causa não está fixada nem em dicionários nem em prontuários. Seria possível, de acordo com o Formulário Ortográfico de 1943 (XII, 6.ª), escrever "véio", com acento em "éi", como forma de indicar que a vogal representada por e é aberta, tal como acontecia com idéia, no português do Brasil. Mas o novo acordo (Base IX, 4) veio alterar este critério: hoje as palavras paroxítonas cuja sílaba tónica tem por núcleo um ditongo aberto (éi, ói) escrevem-se sem acento — daí ideia e, pela mesma lógica, "veio", que acaba por se confundir com veio, 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo vir, e veio, «filão», substantivo masculino. Mesmo assim, visto manter-se acento gráfico com função diferencial em certos casos de palavras paroxítona (p. ex., pode ~ pôde), não me parece que o acordo seja posto em causa se escrevermos "véio", de modo a distinguirmos de veio (verbo e substantivo).

Resta-me assinalar que a grafia em apreço é legítima na escrita apenas se a intenção do seu uso for reproduzir a fala popular. Não deve, por isso, ser empregada noutras instâncias discursivas.

Pergunta:

Gostaria de saber se vinicius, com as novas regras de ortografia, tem acento ou não?

Obrigada.

Resposta:

Mantém um acento, como palavra proparoxítona que é: Vinícius (com maiúscula inicial, porque é nome próprio).

Pergunta:

Seria possível dizerem-me palavras que se integrem no campo lexical (vocabulário) de bosque e lago?

Resposta:

Na pergunta fica-se um pouco na dúvida sobre o que se pede:

a) palavras do campo lexical1 que abrange bosque e lago?

b) ou pretendem-se, por um lado, palavras que pertençam ao campo lexical de bosque e, por outro, palavras que façam parte do campo lexical de lago?

Se a), podemos ter clareira, rio, animal, e as próprias palavras bosque e lago, porque se depreende que o campo lexical em questão seja o de um determinado espaço natural, por exemplo, uma reserva florestal ou um parque.

Se b), árvore, animal, esquilo, ave podem ser designações de elementos que se relacionam com a noção de bosque; as palavras lago, rio ou cascata também poderão fazer parte desse campo lexical. Quanto ao campo lexical de lago, é possível associar-lhe as palavras margem, peixe, água, entre outras.

1 Campo lexical: «Conjunto de palavras associadas, pelo seu sig...

Pergunta:

Outro dia, eu estava pensando na seguinte frase: «Eu o considero como quem não presta», para mim, sintaticamente semelhante a «Eu o considero como amigo». O que me assustou foi a análise sintática que fiz (não contemplada por nenhum gramático, pelo que sei). Assim como «como amigo» exerce função sintática de predicativo do objeto direto, também ocorre a mesma análise para a oração «como quem não presta». Faz sentido classificar a oração «como quem não presta» como oração subordinada substantiva predicativa do objeto direto justaposta ou simplesmente oração subordinada adjetiva restritiva justaposta? Não encaro o quem como pronome relativo sem antecedente, mas um simples pronome indefinido, sujeito do predicado «não presta». 

Obrigado.

Resposta:

Não existe qualquer problema em uma relativa livre (ver resposta As frases relativas livres ou sem antecedente) desempenhar a função de predicativo do objecto directo. A oração «quem não presta» é uma oração subordinada substantiva relativa introduzida com a função de predicativo do objecto directo. Quem é um pronome relativo sem antecedente.

Assinale-se que as relativas livres ocorrem igualmente como predicativo do sujeito:

«Ele é quem não presta.»

A possibilidade de o predicativo do sujeito ser realizado por uma oração substantiva é referida por Celso Cunha e Lindley Cintra, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 136), apoiando-se nos seguintes exemplos (o negrito é do original):

1. «A verdade é/que eu nunca me ralara muito com isso» (Maria Judite de Carvalho, [Os Armários Vazios, 2.ª ed., Amadora, Livraria Bertrand, 1978]107).

2. «Uma tarefa fundamental é/preservar a história humana» (Nélida Piñón, [A Força do Destino, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980], 73).

Nestes exemplos, têm função de predicativo do sujeito as orações substantivas completivas, «que eu nunca me ralara muito com isso» (finita) e «preservar a história humana» (não finita). Mas não me parece descabido generalizar a função de predicativo do sujeito e predicativo do objecto directo às orações relativas livres, porque estas são também substantivas.