Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma regra para a posição dos pronomes possessivos como nos seguintes casos:

— «O livro é de um amigo meu.»

— «O livro é do meu amigo.»

Obrigada.

Resposta:

Nos exemplos apresentados, o possessivo meu é determinante, e não pronome.

Trata-se de construções diferentes, que dependem do modo de determinação do substantivo que é objecto de posse. Associado ao artigo indefinido (uma, uma), a forma do determinante  possessivo (meu, teu, seu, etc.) ocorre preferencialmente depois do substantivo («um amigo meu»), embora também se aceite a seguir ao artigo indefinido e anteposto ao substantivo («um meu amigo»).1 Já com artigo definido (o, a), formando uma unidade com este, o possessivo ocorre quase sistematicamente antes do substantivo: «o meu amigo».2

1 Ver Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pág. 134.

2 No português do Brasil, é mais corrente o uso do determinante possessivo sem artigo definido do que em português europeu, a não ser em contextos de vocativo, situação em que ambas as variedades coincidem na ausência de artigo: «Como está, meu amigo?» Não confundir este último uso com «Como está o meu amigo?», onde não existe vocativo e «meu amigo» pode ser forma de tratamento relativa ao interlocutor ou referir-se a um terceiro não interveniente no discurso («Como está ele, o meu amigo?»).

Pergunta:

Qual das seguintes expressões está correcta: «não vou me armar em esperto», «não vou-me armar em esperto», ou «não me vou armar em esperto»?

Por último, gostaria saber qual é origem da expressão «armar em esperto».

Resposta:

Em português europeu, dirá e escreverá:

«Não me vou armar em esperto.»

Ou:

«Não vou armar-me em esperto.»1

Note-se que a pergunta pressupõe que «armar-se em esperto» forma globalmente uma expressão idiomática, quando, na verdade, o que se verifica é tratar-se de uma das possibilidades de uso da construção «armar em» (ou «armar-se em»), seguida de substantivo ou adjectico. Com efeito, não é apenas a palavra esperto que ocorre nesse contexto, como ilustram os casos de «armar(-se) em parvo», «armar(-se) em bom» ou «armar(-se) em patrão». Disto mesmo dá conta o Dicionário Houaiss, onde se regista o emprego de armar enquanto regionalismo português, se for usado como verbo transitivo indirecto, na acepção de «dar-se ares de; fingir-se de» e a seleccionar um complemento introduzido pela preposição em.2

Quanto à a origem histórica da expressão em causa, não disponho de fontes que a descrevam. Atrevo-me apenas a lembrar que, por um lado, armar, associado a um complemento nominal, significa «causar, arranjar, inventar» (p. ex., «armar uma zaragata»); por outro, conjugado pronominalmente e acompanhado de um complemento preposicional, pode ser interpretado como «prevenir-se, resguardar-se» («precisava armar-se contra o frio», idem). Parece-me aliciante interpretar a génese de armar-se em como desenvolvimento sintáctico e extensão semântica desses usos de armar, mas, antes, será preciso provar que esta construção não é arcaísmo mas, sim, criação recente do português europeu.

1 Em português brasileiro, variedade em que a expressã...

Pergunta:

Qual o acto ilocutório presente na frase «E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu costumo pedir aos meus alunos: lealdade»?

Resposta:

Trata-se de um acto ilocutório assertivo, uma vez que pela frase «[...] o locutor compromete a sua responsabilidade sobre a existência de um estado de coisas e sobre a verdade da proposição enunciada (asserções, descrições, constatações, explicações, etc.) [...]» (Dicionário Terminológico). No caso, o locutor responsabiliza-se pela verdade da existência de um estado de coisas, a da formulação de um pedido, feito num momento anterior àquele em que se profere a frase.

Pergunta:

As minhas sinceras felicitações pelo vosso trabalho.

Venho, muito grata, pedir a fineza de me esclarecerem qual a pronúncia correcta da palavra: "pólipo", ou "polipo"?

Também gostaria de saber porque é que se diz que uma pessoa se "meteu em copas", quando não se manifesta sobre determinado assunto.

Resposta:

Agradecemos as suas felicitações.

A grafia e a pronúncia mais correctas da palavra em questão é pólipo (ver Textos Relacionados).

Sobre «meter-se em copas», diga-se que a forma registada é «fechar-se em copas», que, segundo Orlando Neves, no seu Dicionário de Expresões Corrntes (Lisboa, editorial Notícias, 1999), significa «calar-se, silenciar» e «[p]rovém do jogo de cartas conhecido como voltarete».

Pergunta:

Minhas saudações. Qual, por gentileza, é a origem do nome Álvaro, dos sobrenomes Ferreira, Correia, Barros e Lima? Há possibilidade de serem de origem lusitânica?

Muito grato antecipadamente.

Resposta:

Consultando José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, lê-se o seguinte acerca da etimologia de Álvaro:

«De origem ainda controversa: Meyer-Lübke, Romanische Namenstudien. I, 8, 81, II, 73, deriva de al-. alemão moderno alls, "todo, muito", e *wars, "atento, circunspecto"; Piel (s.v. Alvar) prefere como segundo elemento um der. do gótico warjan, sax[ónico] arc[aico] waron waran, "o que se ofende de todos"; ver Nunes, p. 44; Antr[oponímia Portuguesa de Leite de Vadconcelos]., p. 33. Estas explicações parecem forçadas. A popularidade do nome deve-se ao célebre escritor cristão Álvaro de Córdova (séc. IX) e ao beato Álvaro de Córdova (séc. XV, talvez nascido em Lisboa, festejado a 19-II). Latinizado Alvarus, este dever-se-ia a Alver, de Alvered (cf. Aliverdus, donde o esp[anhol] Alvarado), ou a forma apocopada de Alvaradu- (ver Alvarado). Em qualquer caso, o -v- é sonorização do -f- de AElfraed (> ingl[ês] Alfred, ver Alfredo), ligado ao germânico alfi, "elfo", radi, "conselho", influenciado pelo hispânico albar, der[ivado] do lat[im] albor (de albus, "branco"). O -v- era muitas vezes escrito -u-, daí outras formas como Aluer, por Alver (dada Withycombe, p. 14, como presentes no Domesday Book, séc. XI). Em fr[ancês] medieval Aluaru-, ou Alueru-, ter dado Alveré, Auveré. No séc. XIII:  "Don Aluaro ren non lhis da", Pêro da Ponte, no C. B. N., n.º [1558]. Fernão Lopes usava com frequência a var[iante] Álvoro. "constramgeo tamto este Álvoro Paaez..." na Crón. de D. João I, I, cap. 5, p. 12. Antes de voc[ábu...