Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi recentemente o provérbio «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pêlo» num programa de rádio. Efectuei uma pesquisa para tentar perceber o seu significado, mas sem resultados. Poderia o Ciberdúvidas ajudar-me?

Obrigado.

Resposta:

O provérbio em apreço tem a seguinte variante:1

«Sarampo, sarampelho, sete vezes vem ao pêlo.»*

Trata-se de um dito que pertence ao conjunto dos provérbios relativos à saúde (por exemplo, «a doença vem a cavalo e vai a pé»; «a tinha é pior que a morrinha»; «água danificada fervida ou coada»)2, muitos dos quais reflectem práticas e crenças sobre a prevenção ou origem da doença ou a sua terapêutica.

Neste caso, o provérbio parece resultar da crença na possibilidade de uma pessoa poder ficar doente com sarampo até sete vezes, o que também remete para um certo pensamento mágico que investe os números de carga simbólica. Sobre a racionalização do provérbio, recomendo a leitura do blogue Provérbios Populares Portugueses (poste de 27 de Setembro de 2009).

1 Ver M.ª Alice Moreira dos Santos, Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, Porto, Porto Editora, 2000, e António Moreira, Provérbios Portugueses, Lisboa, Editorial Notícias, 2003.

2 Santos, op. cit.

* Com o Acordo Ortográfico de 1990 – e conforme o ponto 9 da Base IX – não se acentuam as palavras homógrafas paroxítonas, como é o caso de 

Pergunta:

Considere-se a frase «Ele tomou vacina contra gripe suína».

Na sintaxe, «contra gripe suína» é um adjunto adnominal?

Resposta:

Há duas possibilidades de análise:

a) «contra gripe suína» é adjunto adverbial, fazendo parte do predicado da frase («tomou vacina contra gripe suína»);

b) o constituinte em apreço é complemento nominal (ou do nome), porque a palavra vacina pode seleccionar um complemento oblíquo («vacina contra qualquer coisa»).

Em Portugal, de acordo com o Dicionário Terminológico, a função sintáctica referida em a) tem a designação de modificador, neste caso, do grupo verbal «tomou vacina contra gripe suína». Deve também observar-se que, em português europeu, se prefere usar o artigo definido junto dos nomes vacina e gripe no contexto em análise: «tomou a vacina contra a gripe suína».

Pergunta:

Gostaria de saber mais sobre neologismo semântico.

Resposta:

Trata-se da atribuição de novas acepções a uma palavra já existente: navegar usado em referência a consultar a Internet  é um caso (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 87). Essas acepções podem decorrer da influência de uma palavra estrangeira. Por exemplo, há quem considere que o uso de submeter no sentido de apresentar é um neologismo semântico surgido por influência do inglês.

Pergunta:

Está correto o uso «terminar por»? Não seria correto «terminar em ou com»? Exemplo: «O prefixo termina por vogal.»

Resposta:

Nas acepções de «ter na parte final» e «ter por parte final», o verbo terminar pode construir regência com a preposição por.

Segundo o Dicionário de Usos do Português do Brasil (São Paulo, Editora Ática, 2002), de Francisco S. Borba, o verbo terminar pode seleccionar:

a) na acepção de «ter na parte final», um complemento preposicional (também chamado oblíquo) constituído pela preposição em e um substantivo concreto não animado; exemplo (idem): «todo esse seguir-se de colorido e enfeites termina em dois hediondos chifres»; «o intestino das aves termina numa cloaca».

b) na acepção de «ter por parte final», um complemento preposicional (ou oblíquo) constituído pelas preposições com, em, por e um substantivo; exemplos (idem): «as terminações superiores terminam por longos e acerados espinhos»; «romances desse tio terminam com a decifração do crime»; «a tendência em declarar idades que terminem em zero ou em cinco».

Uma vez que não se acha diferença relevante entre a possibilidade a) e a b), pelo menos, quando descrevemos a estrutura fónica de um prefixo, considero correcta a frase «o prefixo termina por vogal».

Pergunta:

O que é a dupla grafia? É a possibilidade de, em Portugal, se escrever das duas formas? É a obrigatoriedade de, em Portugal, se adotar a versão portuguesa? É a possibilidade de se escolher uma das duas opções no período de transição do Acordo?

Resposta:

«É a possibilidade de, em Portugal, se escrever das duas formas.»

No quadro do Acordo Ortográfico de 1990, usa-se a expressão «dupla grafia» para designar casos de facultatividade, conforme se pode ler na secção 4 da Nota Explicativa ao referido acordo:

«Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro; concepção e conceção, recepção e receção; assumpção e assunção, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso; etc.»