Diamantino Antunes - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Diamantino Antunes
Diamantino Antunes
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Doutorando em Linguística Portuguesa Descritiva, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP); mestre em Linguística Descritiva; assistente de linguística na FLUP (2002-2004); investigador do CLUP.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na afirmativa «mais um passo, e eu pulo», apesar de não estar explícita a conjunção condicional, há uma interpretação clara nesse sentido.

Como analisaríamos a construção sintática e morfologicamente: o e é conjunção aditiva? «Mais um passo» tem conjunção e verbo elípticos – «se der»? Ou é apenas um expressão condicional e não uma oração?

Obrigada!

Resposta:

As conjunções coordenativas apresentam valores específicos de adição, conclusão, explicação, oposição, alternância, entre outros, como reportam as gramáticas, com eventuais diferenças de pormenor. No entanto, a língua permite um ilimitado uso criativo que não é captado pela formulação simplista das suas regras.

Assim, como muito bem se sugere na pergunta, a conjunção e pode ser utilizada com valores muito diversos e muito para além do que a gramática prevê:

– «Faz isso mais uma vez, e eu vou-me embora» (condicional).

– «Chamo-te à razão, e tu continuas na mesma» (adversativa).

– «Insultou-a, e ela apresentou queixa na polícia» (consecutiva /conclusiva).

Penso que é neste sentido que tem que ser analisada a frase que apresenta. Poderemos considerar a elipse do verbo da primeira oração, bem como o emprego da conjunção com valor de consequência ou de condição.

– «[Dê] mais um passo, e eu salto.»

Se incluir na frase «Se der…», então não poderá colocar a conjunção (o * indica agramaticalidade):

– *«Se der mais um passo e eu pulo.»

Quanto ao facto de ser apenas uma simples expressão condicional, mesmo que assim fosse, continuaria a apresentar uma estrutura sintática, com as necessárias relações de contiguidade e de dependência entre os elementos ali constantes.

Pergunta:

Na frase «Qual o impacto da atenção na compreensão da leitura?», não é obrigatório escrever o verbo , neste caso, ser (é ou foi)?

Resposta:

Uma pergunta semelhante já teve resposta em "Qual em frases interrogativas (Portugal vs. Brasil)".

Podemos encontrar inúmeras ocorrências de frases similares àquela que a prezada consulente apresentou, mostrando esse facto que não estamos perante uma ocorrência isolada ou excepcional. Vejamos alguns exemplos:

– «Qual o impacto da atenção na compreensão da leitura?»

– «Para quando a publicação dessas memórias?»

– «Quanta miséria por esse mundo fora!»

– «Que tempos estes, meu amigo!»

No entanto, o lugar do verbo está lá, em cada uma das frases, quer na que a consulente indicou, quer nas que acrescentei.

– «Qual será o impacto da atenção na compreensão da leitura?»

– «Para quando está prevista a publicação dessas memórias?»

– «Quanta miséria encontramos por esse mundo fora!»

– «Que tempos são estes, meu amigo!»

Numa análise relativamente simples, tratar-se-á de mera elipse: estruturalmente, está prevista, na matriz da frase, uma posição para o verbo, que, no entanto, fica vazia, pois aquele encontra-se elidido ou subentendido. Esta elipse não torna a frase propriamente agramatical.

Pergunta:

Pretendo esclarecer se o nome alimentação é contável ou não contável.

Obrigada.

Resposta:

Um nome (qualquer) pode ter uma leitura contável ou uma leitura não contável. Comecemos pela palavra carneiro: podemos contar carneiros (no plural), dá até jeito para adormecer. No entanto, podemos não apreciar carneiro , pois não é um prato que agrade a toda a gente. Nesta segunda ocorrência (no singular), trata-se de um nome não contável, ou, pelo menos, de uma ocorrência do nome em que ele é não contável, já que refere uma substância (carne) e não uma unidade discreta (um animal).

Assim, a palavra alimentação tem pendor para ocorrer como não contável, pois só tem ocorrência singular e não parece ser compatível com os elementos com os quais os nomes contáveis estabelecem relações sintagmáticas (quantificadores, entre outros). No entanto, haverá sempre possibilidades de ocorrência como contável, no plural, pois a língua reflete a infinitude da nossa imaginação:

– «Os nossos alunos estiveram no supermercado do bairro, conhecendo um pouco mais sobre as alimentações saudáveis.»

Pergunta:

«A disposição dos móveis, os enfeites de cristal, as estatuetas de bronze, tudo isso e o mais que não me ficou na memória, cumpria bem a finalidade de dar requinte à peça.»[1]

No período acima, poderia o verbo cumprir fazer a concordância canônica no plural (já que há claramente dois núcleos de sujeito: «tudo isso e o mais...»)?

Qual regra que se aplica no caso de concordância no singular?

Obrigado.

 

[1 N.E. – A pedido do consulente, a pontuação da frase foi ligeiramente alterada. Na versão inicial, apresentava-se uma vírgula antes de «cumpria». A resposta tem em conta a versão sem vírgula, mas segue-se-lhe uma nota de comentário à nova frase.]

Resposta:

Na frase apresentada, estamos perante um sujeito composto, como o prezado consulente afirmou.

A regra aponta para a necessária concordância com uma forma plural do verbo, que seria então a forma cumpriam, pois o sujeito seria «A disposição dos móveis, os enfeites de cristal, as estatuetas de bronze»:

(1) «A disposição, dos móveis, os enfeites de cristal, as estatuetas de bronze cumpriam bem a finalidade de dar requinte à peça.»

Os elementos da frase que se encontram entre vírgulas («tudo isso e o mais que não me ficou na memória») podem ser suprimidos sem afetar a gramaticalidade da frase.

No entanto, penso que, com uma vírgula suplementar, poderíamos fazer de «tudo isso» o núcleo do sujeito e assim manter a forma singular do verbo. Isto acontece porque a enumeração de grupos nominais é resumida pelo pronome /determinante tudo, que condicionará a concordância, tal como aconteceria com palavras similares como nada ou ninguém.

(2) «A disposição dos móveis, os enfeites de cristal, as estatuetas de bronze, tudo isso, e o mais que não me ficou na memória, cumpria bem a finalidade de dar requinte à peça.»

De modo que estariam no mesmo patamar estas duas falhas: ou a forma plural, ou a vírgula. Tal como está a frase, porém, sinto-me tentado a dar toda a razão ao consulente.

 

 

N. E. (11/11/2019) – Conforme se assinala na pergunta, em nota, a pontuação da frase, a pedido do consulente, foi entretanto...

Pergunta:

«A advertência é própria para deixá-lo ciente do que se trata aqui, nestas páginas minguadas: um fugidio colóquio entre duas almas femininas – simples, corriqueiro e brando –, mas cujas consequências se supõe graves e irrecorríveis.»

Na frase acima o verbo supor está bem no singular?

Antecipadamente agradeço.

Resposta:

A forma do plural seria aqui menos polémica, como parece sugerir o prezado consulente: «…mas cujas consequências se supõem graves…», em que «supõem» é sinónimo de consideram. Estaríamos então em presença de uma estrutura apassivante, equivalente a «… mas cujas consequências são consideradas graves…»

A hipótese de usar a forma singular faz-nos cair na velha discussão sobre «vende-se casas» ou «vendem-se casas». As gramáticas em geral têm vindo a considerar a existência de um se que desempenharia a função de sujeito, pelo que o verbo não teria de concordar com mais nenhum elemento da frase: «Recorre-se demasiado aos tribunais» ou «Sabe-se estas coisas através dos jornais» como alternativa a «Sabem-se estas coisas através dos jornais». Nesta segunda frase, «estas coisas» é sujeito da frase, porquanto concorda em género e número com o verbo. Pessoalmente, prefiro esta última construção.

Por outro lado, também teremos que estabelecer se o verbo supor tem o mesmo comportamento sintático que o verbo considerar. Dois verbos sinónimos poderão não ter uma sintaxe igual. O verbo supor parece oferecer alguma resistência a uma construção com predicativo do complemento direto: como falante, aceito como mais natural a frase «Considero esta dúvida interessante» que a frase «Suponho esta dúvida interessante». Também parece oferecer alguma resistência à estrutura passiva: «*As consequências são supostas graves…» [1], ao contrário de «As consequências são consideradas graves…», que é uma frase correta.

Sintetizando, a estrutura frásica apresentada parece apresentar falhas sintáticas ou, pelo menos, usar uma construção “arriscada” com o verbo supor. Isto não quer dizer que a forma singular fosse ali definitivamente impossível: poderia...