Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostava de saber quando se usa o «ao qual» e «à qual». Por exemplo, numa frase do estilo «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia, ao qual Alexandra explicou com poucas palavras»,  usa-se «ao qual», ou «à qual»?

Resposta:

A forma «ao qual», ou «à qual», é uma forma variável do pronome relativo, contraída com a preposição a, e pode usar-se só em situações em que se refira a uma palavra, ou antecedente.

O exemplo que apresenta, embora seja comum na oralidade, não obedece a esta regra, pelo que «ao qual» está mal utilizado. Com efeito, o único nome no masculino que antecede o pronome relativo é «dia», e «ao qual» não se refere a «dia», mas, sim, a toda a oração «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia».

No contexto que apresenta, pode utilizar-se o pronome relativo invariável que antecedido do pronome demonstrativo o, sendo este demonstrativo a retoma anafórica de toda a oração anterior: «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia, o que Alexandra explicou com poucas palavras.» Note-se que, segundo a tradição gramatical, nesta frase, o antecedente do pronome relativo é o pronome demonstrativo o, e na sequência deste demonstrativo só a forma invariável do pronome relativo pode ocorrer.

Pergunta:

Gostaria de saber como se faz a translineação da palavra facto. Não encontrei em nenhuma gramática a descrição de um possível grupo consonântico ct e, portanto, não sei se a divisão silábica é fa-cto ou fac-to e se a respectiva translineação da palavra deve ser de uma ou outra maneira.

Resposta:

Para resolver dúvidas deste tipo, a ferramenta mais adequada é o Portal da Língua Portuguesa. É um sítio onde podemos encontrar diversos recursos, entre os quais o Vocabulário Ortográfico do Português, e onde o resultado da pesquisa nos devolve a palavra flexionada (singular-plural e masculino-feminino, quando é o caso) e com a divisão silábica e a sílaba tónica assinaladas. Ilustro com a palavra em apreço:

fac·to
nome masculino

Singular  facto

Plural   factos

Analisando-a, poderemos verificar que, para translineação, a consoante se associa à sílaba anterior e que esta sílaba é a acentuada, o que é marcado pelo sublinhado.

 

Cf. Facto e fato depois do Acordo Ortográfico

Pergunta:

A palavra impedimento possui prefixo?

Resposta:

Quando analisamos a composição de uma palavra, importa ter em conta se a palavra evoluiu na língua portuguesa, ou se a sua evolução é anterior. No caso da palavra impedimento [do latim impedimentu(m), resultante da queda do m final do acusativo], poderemos dizer que, em português, ela não tem, ou não adquiriu, prefixo.

Se tivermos em conta o historial global da palavra, veremos que ela é um nome deverbal, que evoluiu, ou se formou, a partir do verbo impedire. Este, por sua vez, é uma palavra derivada em que entra o prefixo in: in + pes, pedis (pé). 

No latim, a palavra impedimentu tem um prefixo (in) e um sufixo (mentu). Ao português ela chegou já com a estrutura que apresenta, não tendo sofrido qualquer evolução.

Pergunta:

Dizemos: «Gotas de água pesadas e frias», ou «Gotas de água pesada e fria»?

Resposta:

A concordância gramatical faz-se com o nome que é núcleo do grupo nominal. No caso em análise, o núcleo é gotas. Por isso, a concordância é feita com esse nome, pelo que os adjetivos deverão estar no plural: «Gotas de água pesadas e frias

Isso não impede, todavia, que, em determinados contextos, a concordância possa ser feita com o nome mais encaixado, ou seja, com o nome que se encontra ligado ao núcleo. Na presente situação, seria água. Este tipo de concordância, a que se dá o nome de silepse, é um recurso estilístico usado sempre que se pretende dar destaque a um nome que não seja o núcleo, alterando, de algum modo, o sentido geral. Assim, em «Gotas de água pesadas e frias», o foco da mensagem está em gotas, ao passo que, se se disser «Gotas de água pesada e fria», o destaque vai para água.

Pergunta:

Eu tenho uma dúvida sobre o verbo lembrar. Nós fizemos uma camiseta do grupo de evangelismo e na frente escrevemos: «Você lembra de quem é Jesus?» Está certo?

Resposta:

Na observação 2 do verbete lembrar do Dicionário Prático de Regência Verbal, Celso Luft diz que «lembrar de alguém ou de algo» é uma inovação derivada de «lembrar-se de alguém ou de algo». Refere ainda que, embora alguns gramáticos normativos condenem o uso dessa forma, ela tem vindo a impor-se pelo uso. O exemplo que submete à nossa apreciação inclui-se nesse tipo de inovação e é aceitável, sobretudo, parece-me, no Brasil.

De qualquer modo, recomenda-se as duas seguintes hipóteses: «Você lembra quem é Jesus?» ou «Você se lembra de quem é Jesus?»1

 

Agradeço a Luciano Eduardo de Oliveira a achega sobre o uso deste verbo.