Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Fiz alguma pesquisa mas não encontrei nada que me ajudasse a perceber se a frase «releva o alegado supra para obstar à tomada de decisão final» está correcta e o que significa.

São os argumentos apresentados relevantes para alterar a decisão anterior, ou, pelo contrário, os argumentos não são relevantes e a decisão mantém-se?

Resposta:

O verbo relevar, tal como alguns outros da nossa língua, contém em si sentidos contraditórios. No dicionário em linha da Porto Editora, são-nos indicados como sentidos do verbo, entre outros: «v. tr.: 1 – fazer sobressair, pôr em relevo; 3 – perdoar, desculpar, absolver; 4 – consentir; v. int.: ser conveniente, ser preciso, importar, interessar.»

Além disso, a palavra – ou, melhor, o excerto – parece-me, pelo estilo, retirada de um documento jurídico, o que implica que as palavras possam estar utilizadas não com os sentidos gerais que lhes são atribuídos num contexto comunicacional genérico, mas com um significado específico da gíria profissional correspondente. Essa situação dificulta, para os falantes em geral, a interpretação específica que carece de descodificação, contextualizada, por um profissional, sob pena de se incorrer em leituras inadequadas.

Por esta razão, a interpretação do Ciberdúvidas não se afasta da da consulente, considerando que, à luz da interpretação geral ativada por qualquer falante, a frase é ambígua, podendo ter dois sentidos contraditórios.

Pergunta:

Gostaria de ser informada sobre a diferença entre base e radical. Sei que esta pergunta já foi feita tendo o consulente sido remetido para o Dicionário Terminológico, que não é esclarecedor sobre o assunto. Assim, por exemplo, qual a razão para doc ser a base para adoçar, e adoça, a base para adoçante? Como explicar estas subtilezas aos alunos se a esmagadora maioria dos professores tem dúvidas?

Resposta:

Importa falar de base quando estamos perante a análise da evolução, ou crescimento, do léxico, através da formação de novas palavras por derivação, ou afixação.

Diz-nos Margarita Correia na obra Inovação Lexical em Português, edições Colibri, p. 27 e 28, que «as bases sobre as quais operam os afixos são normalmente radicais», podendo haver casos que fogem a esta regra. A autora refere, por exemplo, o caso do sufixo -zinho, que se pode associar a uma base com marcas de flexão: leão/leões leõezinhos. Diz ainda que a base a que se associa um afixo pode ser: um radical, uma palavra simples, uma palavra derivada, uma palavra composta, ou, mesmo, ainda que raramente, uma locução («a tempo» – atempar; «de cor» – decorar).

Por sua vez, radical é uma estrutura mínima, digamos assim, que não pode ser reduzida ou transformada em unidades de sentido nferiores. Peguemos no exemplo referido, que é dado no Dicionário Terminológico, «doc- é a base para adoçar; adoça- é a base para adoçante». Adoçar é uma palavra derivada por parassíntese, uma vez que lhe são, em simultâneo, associados um prefixo e um sufixo, sendo este um sufixo verbal, uma vez que transforma a palavra a que se associa num verbo. A base que serviu para fazer o verbo adoçar foi, efetivamente, doc: a + doc(ç) + ar. Adoçar, por sua vez, é um verbo da primeira conjugação, ou de tema em a, a qual se distingue das outras conjugações ...

Pergunta:

Estamos a programar o próximo ano letivo e eu e as minhas colegas deparámo-nos com a seguinte dúvida: como explicar a alunos de 5.º ano a noção de radical/forma de base/palavra simples? Será necessário abordar todos estes conceitos?

Muito obrigada pelos possíveis esclarecimentos prestados.

Resposta:

Compreendo a preocupação, sobretudo num ano em que, em Portugal, todos os programas de Português do ensino básico vão entrar em vigor. Ao entrarem todos em vigor ao mesmo tempo, poderão acontecer perplexidades como a que é apresentada. Futuramente, quando ao 5.º ano chegarem alunos a quem já tenha sido veiculado o programa que vai entrar em vigor no próximo ano lectivo, essa questão colocar-se-á com menos acuidade, uma vez que os aspectos referidos são de aquisição explícita no 1.º ciclo, como se pode verificar na página 55 dos novos programas.
Se tivermos em conta o que se refere no programa anterior do 1.º ciclo, verificamos que não é explicitado esse conteúdo, sendo a referência mais próxima a que surge na p. 159: «Organizar famílias de palavras (segundo critérios diversificados).» É provável, pois, que os alunos se confrontem pela primeira vez com essa terminologia, não por ser nova, mas por não ser de explicitação obrigatória no ciclo de que vêm.

A problemática das famílias de palavras mantinha-se no programa do 5.º ano, ao passo que os conceitos de derivação e de composição eram abordados, segundo o programa que esteve em vigor até ao anterior ano lectivo, no 6.º ano (página 44 do programa). Imagino que seria aqui, no 6.º ano, que se impunha a introdução de termos como prefixo e sufixo.

Voltando à forma de abordar estes conceitos, na página 55 dos novos programas, já referida, na nota 1, refere-se como sugestão de actividades para a identificação de radicais e de afixos o seguinte: «Actividades que permitam descobrir que os afixos são portadores de sentido; descobrir o sentido mais frequente de alguns afixos (ex. –inho com sentido diminutivo; in- com sentido de negação).»

Pergunta:

Aprendi, e tenho por norma fazer como aprendi, que as iniciais maiúsculas se reservam para os nomes próprios ou por deferência. Porém, no agrupamento onde lecciono costumam devolver actas para correcção quando referimos os encarregados de educação, em iniciais minúsculas, quer nos estejamos a referir ao grupo em geral, quer a um determinado em particular. Eu pergunto: como devemos escrever este nome? «... os encarregados de educação...» ou «... os Encarregados de Educação...»? «... o encarregado de educação do aluno...» ou «... o Encarregado de Educação do aluno...»? (neste caso não teria também de ser «Aluno»?)

Muito obrigada.

Resposta:

Tanto o Acordo Ortográfico de 1990 como o de 1945 prevêem, para o uso das maiúsculas, alguma flexibilidade que permita às instituições utilizarem-nas de forma individualizada.

Em Portugal, em muitas escolas e mesmo em documentos emanados do Ministério da Educação, encarregado de educação ou director de turma surgem com maiúscula, que deve ser entendida como realce ou, se preferir, deferência, no sentido em que se valoriza o papel dessas entidades no espaço escolar ou educativo.

Quanto à opção da escola, ela é possível, desde que divulgada e, eventualmente, fundamentada.

Por outro lado, não há, na tutela, uma indicação clara sobre o procedimento a adoptar, sendo possível encontrar, por exemplo, nas páginas da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) e da Inspecção-Geral da Educação, quer o uso de maiúscula, quer o uso de minúscula. No caso de aluno, aparece, quase sempre, com minúscula. Já nos relatórios da Inspecção-Geral da Educação, que poderá consultar na página desta instituição, há uma clara opção pelo uso das minúsculas.

Em síntese, o uso de maiúscula nas situações que descreve é uma questão de opção da instituição que, a ser questionado, só o pode ser no seio da própria escola, com recurso aos órgãos competentes para o fazer (departamento, conselho pedagógico).

 

...

Pergunta:

[...] [F]iz [uma] pergunta [sobre o futuro do pretérito] a vocês, mas parece que não há resposta objetiva, convincente e verdadeira a ela. O fato é que há uma maior quantidade de registros nas gramáticas normativas do futuro do pretérito como indicando hipótese (vejam por si, contem); isso não seria um critério para encaixarmos entre os verbos do modo subjuntivo, ora? Os tempos do subjuntivo também podem indicar certezas, fatos, e, ainda assim, não são encaixados entre os indicativos, ora. E então, como fica? Vejo apenas arbitrariedade, e não uma lógica. Podem dar seu parecer sobre minhas considerações?

Resposta:

Se por resposta objectiva se entende uma resposta que rompa com toda a tradição e forma de analisar e descrever os tempos e os modos verbais, efectivamente o Ciberdúvidas não está em condições de dar esse tipo de resposta.

Sendo um espaço de análise da língua, não é um lugar para colocar hipóteses nem defender teorias novas que conduzam a reformulações, eventualmente necessárias. Como estudante interessado e atento, estará o consulente no espaço certo para, de forma adequada, formular as suas próprias teorias e de as defender, provando a sua validade perante um júri avalizado. É esse o repto que o Ciberdúvidas lhe lança. E quando chegar a uma conclusão avalizada, dado que as que existem o não satisfazem, o Ciberdúvidas terá muito prazer em a publicar.