Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho dúvidas acerca do uso do pretérito perfeito do conjuntivo.

Encontrei, na Gramática da Língua Portuguesa, (M. H. M. Mateus et al., 2003), Capítulo XV (Inês Duarte) — Subordinação completiva, pág. 609 (cp. 15.1.3) e 606 (cap. 15.1.1.), as seguintes frases:

«Que a Maria não tenha vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tenha sido comunicada a decisão.»

Pensava que nas subordinadas completivas finitas, neste caso (quando a oração principal se encontra no pretérito perfeito), seria apropriado e gramatical usar o mais que perfeito do conjuntivo:

«Que a Maria não tivesse vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tivesse sido comunicada a decisão.»

Pedia-vos para me confirmarem a gramaticalidade das frases encontradas na GLP nos subcapítulos em apreço. Caso estejam correctas, a minha pergunta é:

Posso, então, utilizar o pretérito perfeito do conjuntivo nas completivas finitas seleccionadas por todos os verbos psicológicos, ou só por aqueles que são denominados "factivos" e que pressupõem a verdade do complemento frásico (achar bem, detestar, gostar, lamentar)? Neste caso, seriam gramaticais as seguintes frases?

«Achei (achava) bem que lhe tenhas dito a verdade.»

«Detestei (detestava) que te tenhas vestido assim.»

«Lamentei (lamentava) que me tenham dado a resposta negativa.»

«Gostei (gostava) que ele me tenha vindo visitar.»

A descrição que as gramáticas fazem da concatenação temporal, ou consecutio temporum, é muito mais restritiva do que o uso demonstra. As frases em apreço estão correctas, embora a sua ocorrência nem sempre venha descrita nas gramáticas. O que, creio, justifica a diferença do tempo verbal utilizado é a acção discursiva, o contexto enunciativo, ou seja, o distanciamento que o emissor, ou produtor do discurso, expressa em relação à situação a que se reporta. Numa frase em que, na oração subordinada completiva, o verbo ocorra no pretérito perfeito do conjuntivo, como, por exemplo, em 1, poderemos imaginar o emissor na festa, a comentar com um outro conviva. Uma frase destas é sentida pelo receptor como mais próxima do que outra em que o verbo surja no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo (2). Por outro lado, no caso concreto do verbo surpreender, o verbo da oração subordinante pode ocorrer no pretérito imperfeito sem alterar a factividade da subordinada:

1) «Que a Maria não tenha vindo à festa, surpreendeu o João.»
2) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendeu o João.»
3) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendia o João.»


Com os verbos factivos em análise, o tempo da subordinada pode variar, desde que a oração subordinante contenha o verbo no pretérito perfeito do indicativo.

4) «Achei bem que lhe tenhas/tivesses dito a verdade.»
5) «Detestei que te tenhas/tivesses vestido assim.»
6) «Lamentei que me tenham/tivessem dado a resposta negativa.»
7) «Gostei que ele me tenha/tivesse vindo visitar.»


Se esse verbo estiver no pretérito imperfeito, acontecem duas coisas:

a) Por um lado, o verbo da subordinada tem de estar – aqui, sim – obrigatoriamente, no pretérito mais-que-perfeito.

Pergunta:

As orações introduzidas pelos advérbios conectivos, como porém e contudo, são classificadas como coordenadas adversativas?

Resposta:

A classificação das orações em que há um advérbio conectivo tradicionalmente relacionado com a coordenação adversativa causa-nos problemas que se prendem, sobretudo, com o hábito.

Na verdade, não analisamos, ou, melhor, não costumamos classificar, em espaço-aula, frases em que entrem outros advérbios conectivos, e isso não nos preocupa porque já o não fazíamos… Com sentido próximo, o contraste — ainda que concessivo e não adversativo —, temos, por exemplo, o conectivo contrariamente, que não costuma ser objeto de divisão e classificação de orações.

Voltando aos advérbios conectivos até agora entendidos como conjunções adversativas, caso pretendamos analisá-los, poderemos considerar que se trata de orações adversativas assindéticas, ou seja, sem conjunção expressa. Poderemos assumir esta atitude, uma vez que o advérbio veicula sentido contrastivo, próximo do que é veiculado pela conjunção mas.

Podemos sempre optar por não dividir nem classificar orações deste tipo, como fazemos com muitas outras, por não serem paradigmáticas.

Bom trabalho.

Pergunta:

Quero saber se está correto escrever:

«A criança procurou um "espaço vazio" na cartolina.»

Ou seria apenas «espaço», que já indicaria um local livre?

Resposta:

Pessoalmente, creio que em «espaço vazio» não estamos rigorosamente perante um pleonasmo, em que vazio repita, exactamente, o que significa espaço, na medida em que, se estiver ocupado, ou preenchido, continua a ser espaço. No entanto, em muitas situações, usa-se apenas o nome espaço para designar espaço vazio, em expressões como «Não posso entrar porque já não há espaço», ou «Não colei o meu desenho por não haver espaço».

Nos exemplos que apresenta, e tendo como base a minha sensibilidade de falante, creio que ambas as expressões — uso de «espaço vazio» ou, apenas, de «espaço» — estão correctas.

Pergunta:

Gostaria de saber se, na frase «a delimitação dos objectivos não tem outra função que não...», fica melhor «que não» ou «senão».

Eu acho que o correcto é senão, mas gostava de saber a vossa opinião.

Obrigada.

Resposta:

No excerto em apreço, o que é correcto é escrever senão. O sentido geral é restritivo, e senão, mantendo a estrutura da frase, poderia ser substituído por a não ser: «A delimitação dos objectivos não tem outra função a não ser...»; Colocando a frase na afirmativa, e com as devidas alterações, claro!, seria necessário introduzir um advérbio de exclusão , ou apenas, para manter o sentido: «A delimitação dos objectivos só tem a função de...»

A expressão que não em frases como «A delimitação dos objectivos tem uma função orientadora, que não controladora» tem um valor de oposição, e o que corresponde a uma conjunção adversativa, de uso raro hoje em dia, diga-se.

Pergunta:

Explique as diferenças morfológicas e semânticas dos pares: escrever, escrevinhar e ferver, fervilhar.

Resposta:

Do ponto de vista morfológico, o que me ocorre dizer é que em escrever e ferver estamos perante palavras simples, verbos no infinitivo, enquanto em escrevinhar e fervilhar estamos perante palavras derivadas, igualmente verbos no infinitivo, mas cujo sentido sofreu, por via da derivação, alteração de sentido.

Para ferver, o dicionário em linha da Porto Editora apresenta os seguintes sentidos:

verbo intransitivo
1. entrar ou estar em ebulição
2. movimentar-se como um líquido em ebulição; borbulhar
3. escaldar; queimar
4. Figurado:
 – sentir grande calor

 – sentir grande inquietação; agitar-se

 – sentir vivamente uma paixão

 – existir em grande número; fervilhar
8. fermentar o mosto no balseiro, na cuba ou no lagar

verbo transitivo
Cozer num líquido em ebulição;
Ferver em pouca água: exaltar-se por pouca coisa, irritar-se com facilidade

Por seu lado, fervilhar é apontado, no mesmo dicionário, como verbo intransitivo, com os seguintes valores:

1. ferver pouco mas continuamente
2. existir em grande quantidade; pulular
3. mexer-se incessantemente
4. Figurado: sentir grande inquietação; agitar-se