Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na palavra agricultura, que significado tem agri-?

Obrigado.

Resposta:

O elemento de composição agri- vem do latim ager, agri1, que significa «campo». A palavra agricultura, segundo a sua formação, tem o significado de «cultivo do campo».

O Dicionário Houaiss Eletrónico (2001) clarifica o significado de agri- (desenvolveram-se as reduções do texto consultado):

«antepositivo, do latim ager, agri, 'campo, domínio (público ou privado), território'; ocorre já em vocábulos originariamente latinos, como agrário, agreste, agrícola, agricultura, agrimensor, agrimensura (introduzidos na língua a partir do século XV), já em formas analógicas vernáculas, a maioria das quais do século XIX em diante: ágrico-industrial, agricolar, agrícolo-industrial, agricultado, agricultar, agricultável, agricultor, agrimensão, agrimensar etc. (a generalização de compostos com a vogal -o- de ligação originariamente grega cruzou este elemento agri- com o grego agro- [...], resultando formas em que, a rigor, há um "terceiro" elemento: agroindústria/agrindústria, agroindustrial/agrindustrial, agrifabril/agrofabril etc., todos do século XX).»

1 As palavras, segundo as regras da gramática latina, devem ser apresentadas no nominativo e no genitivo, pois são indicações preciosas para aqueles que as queiram declinar. O latim clássico tinha cinco declinações e seis ca...

Pergunta:

Está mais correcto dizer-se desafiador, ou desafiante?

Resposta:

Ambas as palavras são corretas.

Nos dicionários consultados (como, por exemplo, o Michaelis, o Priberam, o Aberto ou o Aulete), estes dois termos surgem como sinónimos, cujos significados são «provocador», «aquele que desafia os outros», «competidor», «que mostra disposição e coragem», «estimulante»; um termo aparece como sinónimo do outro. Deste modo, relativamente à sua pergunta, aconselhamos a utilizá-los em contextos semelhantes. O que muda é a classe morfológica, sendo desafiador um adjetivo ou nome masculino singular, e desafiante, um adjetivo ou nome que engloba os dois géneros.

Pergunta:

Está correto dizer «Maria, só você mesmo»? Ou devo usar «mesma»?

Resposta:

Na nossa opinião, a frase «Maria, só você mesma» estaria mais correta, não enjeitando, contudo, a possibilidade de se aceitar a segunda frase, considerando que, do ponto de vista gramatical, também é possível. Trata-se de uma questão contextual que remete para a nossa resposta.

O vocábulo mesmo pode ter várias classes morfológicas, a citar, adjetivo, determinante e pronome demonstrativo, advérbio e substantivo masculino.

Neste contexto, pensamos que é mais correto aceitarmos o vocábulo na sua função adjetival, remetendo para a concordância com o nome próprio, «Maria». Quando o termo é usado com valor enfático, tendo em vista o realce da identidade, pode empregar-se depois de um pronome pessoal, nome próprio ou forma de tratamento. O Dicionário Priberam apresenta a seguinte definição de uso: «usa-se após pronome pessoal ou outras formas de tratamento de modo enfático» e dá como exemplo: «eu mesmo farei o trabalho».

Não obstante, se se atribuir um valor adverbial ao termo, este será invariável e terá como significado, segundo o mesmo dicionário:   «com exatidão»; «exatamente», «inclusivamente»; «até»; «realmente»; «de verdade». Nesta perspetiva, a frase «Maria, só você mesmo» também seria pertinente.


 

 

Pergunta:

«Há que se fazer ajustes de curto prazo», ou «Há que se fazerem ajustes de curto prazo»? Por quê?

Obrigado.

Resposta:

Inclinamo-nos para a primeira frase: «Há que fazer de curto prazo» (sem a partícula se).

Na opinião de Sá Nogueira e outros gramáticos normativistas, a construção haver que é considerada uma intrusão do castelhano (cf. Rodrigo de Sá Nogueira, Dicionários de Erros e Problemas de Linguagem, s. v. há que, Lisboa, Clássica Editora, 1989). Assim, o verbo haver seria seguido da partícula que e do infinitivo do verbo que se pretende utilizar. Os estudiosos suprarreferidos admitem, no entanto, a expressão na negativa «não há que...», conforme está documentado num comentário do Dicionário Houaiss (s. v. haver) sobre esta construção: «[...] outro uso do v[erbo] haver em combinação com a partícula que ocorre em orações negativas do tipo não há que duvidar do que disseram; não há que se conformar com o que aconteceu; não havia que surpreender-se, nas quais a oração substantiva objetiva (obj[eto] dir[eto] de haver) é integrada pela conj[unção] que (Epifânio Dias considera que conj[unção] causal, enquanto alguns gramáticos preferem considerar que há elipse de um substantivo – ou, mais exatamente, de um substantivo + preposição – o que faz do que um pron[ome] relativo: não havia [razão por] que surpreender-se; não há [coisa de] que duvidar) [...].»

Observe-se, mesmo assim, que «há que» é atualmente usado em português sem que haja a noção de que se trate de castelhanismo. Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, p. 232), refere-se a esta construção como uso que se verifica «ma...

Pergunta:

Quais são os principais aspectos para redigir um retrato?

Resposta:

Numa perspetiva literária, que pensamos que seja o que pretende, na redação de um retrato, deve levar-se em conta aspetos psicológicos, comportamentais e físicos. Características relacionadas com a maneira de pensar, de agir e com a aparência devem ser enumeradas de forma cuidada e, se for essa a intenção do autor do texto, de maneira pormenorizada.

Com esse fim, deve fazer-se a seleção cuidada dos termos adequados para a caracterização, tendo em conta o seu significado denotativo e conotativo. O objetivo é escolher os vocábulos que deem mais representatividade ao que se deseja transmitir. Do ponto de vista morfológico, os substantivos, adjetivos e verbos têm um papel determinante neste contexto, apresentando as características, mas também a sua dinâmica. Em termos semânticos, os recursos estilísticos também são muito importantes, tendo a competência de aprofundar a imagem que se pretende transmitir. A organização dos vocábulos na frase pode, igualmente, contribuir para apresentar a personagem.

No retrato físico, deve salientar-se os traços individuais, como a altura, o peso, a cor do cabelo, da pele e dos olhos, vestuário, etc.

O psicológico deve valorizar informações sobre o feitio, a personalidade, os defeitos, as qualidades e outros...

O comportamental faz o enfoque nas informações sobre a atitude das personagens.

O retrato psicológico pode incluir o retrato comportamental, pois o comportamento é resultado da personalidade.

A caracterização da personagem pode ser enriquecida com outros aspetos, como sejam as profissões, os interesses, as apetências, os passatempos, etc. Ela pode ser realizada de forma direta, com a intervenção do narrador que enumera um conjunto de elementos que a determina, ou indiretamente, qua...