Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Li neste site que a abreviatura de número se escreve com ponto, assim: n.º Essa forma vale para o Brasil? Nunca vi a utilização por aqui (sou brasileiro) destas formas, como: 1.º, 3.ª, n.º, etc. Escrevemos todos errados por aqui? Ou nesse ponto não há unificação entre nossas gramáticas?

Resposta:

Em português,  para indicar que se trata de uma abreviatura, utiliza-se, sempre, o ponto abreviativo – em Portugal, como no Brasil. Como já foi aqui anteriormente esclarecido, este ponto indica que houve supressão de letras, sendo por isso indispensável a sua colocação em qualquer abreviatura, seja de um numeral ou de uma palavra (o que não acontece já com a grafia dos símbolos). Assim, escrevemos 1.º (para primeiro), 2.º (para segundo), n.º (para número), s. f. f. (para se faz favor), Sr. (para Senhor), entre outros exemplos.

Refira-se que, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (VOLP da ABL), a abreviatura em apreço não exibe a letra em expoente: n.o.* A mesma fonte apresenta também n., N.o e num. como abreviaturas de número.* É de frisar, porém, que todas as abreviaturas exibem o ponto abreviativo.

* É provável que se trate de gralha, em lugar da forma correta, n.º, porque nos jornais brasileiros a abreviatura aparece por regra com a vogal sobrescrita. Mas, sobre o ponto abreviativo e o sobrescrito, convém dizer que nos textos brasileiros se observa um uso nem sempre sistemático. Recordem-se as considerações do gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida (NMA), no seu Dicionário de Questões Vernáculas (Rio de Janeiro, Editora Ática, 4.ª edição, 2001), nas quais o ponto abreviativo ...

Pergunta:

Sou da República da Guiana, que não é a francesa, nem a holandesa; mas a inglesa. O que devo dizer aos portugueses para que saibam que sou da Guiana que não é a francesa nem a holandesa? Como se pronuncia o nome da minha pátria de forma culta e qual o gentilício?

Obrigado.

Resposta:

Talvez o mais fácil seja referir o nome oficial do país, neste caso República Cooperativa da Guiana (conforme o Código de Redação Interinstitucional para o uso do português nas instituições europeias), para que se entenda que se refere à ex-colónia inglesa. Relativamente à pronúncia de Guiana, nome do país, a grafia deste corresponde à articulação do u, formando este ditongo com o i (ui), tal como no nome próprio Rui.1 Por fim, o gentílico usado é guianês ou guianense (guianeses ou guianenses, no plural).

Observe-se que guianês é exatamente igual ao gentílico da Guiana Francesa, cujos naturais e habitantes são também referidos como guianeses. Segundo o referido Código de Redação Interinstitucional, para distinguir um guianês "inglês" de um guianês "francês", é necessário especificar ou substituir o gentílico por meio, respetivamente, das expressões «da República Cooperativa da Guiana» (para simplificar, Guiana) e «da Guiana Francesa» (apesar de, do ponto de vista francês, dizer-se simplesmente Guiana).2

Não parece, portanto, haver uma maneira que, à partida, garanta a perfeita identificação da nacionalidade de quem se diz guianês. No caso em apreço, deverá dizer-se guianês, mais precisamente, um «guianês da Guiana», ou melhor, um «guianês da República da Guiana». Mesmo assim, é de prever a necessidade de explicar que se trata de alguém que é natural da Guiana, um Estado independente que já foi colónia britânica.

Pergunta:

É correto dizer-se "aconfessional" como o contrário de confessional?

Resposta:

No Dicionário Houaiss (2001) o substantivo aconfessional está atestado como o «contrário a qualquer confissão ou crença religiosa; que não envolve confissão». Assim, o adjetivo aconfessional é antónimo de confessional.

Acrescente-se que o substantivo é um derivado prefixal: à sua forma-base – confessional – acrescenta-se o prefixo de origem grega a-, prefixo este que tem sentido de privação, negação. 

Pergunta:

Deve escrever-se «Este é um dos motivos pelos quais sou como sou» ou «Este é um dos motivos pelo qual sou como sou»?

Obrigado.

Resposta:

A frase «Este é um dos motivos pelos quais sou como sou» é mais correta que «Este é um dos motivos pelo qual sou como sou».

Na formulação da frase em causa, o antecedente do pronome relativo não é «um (de)», mas, sim, «os motivos», que está no plural; logo, o pronome relativo «o qual», que é variável, terá também de passar ao plural. Por outras palavras, pretende-se comunicar o seguinte conteúdo:

1. Vários são os motivos pelos quais sou como sou. Este é um deles.

Em (1), pode ainda verificar-se que que o pronome pessoal eles retoma semanticamente toda a sequência constituída por «os motivos pelos quais sou como sou», sem deixar de fora a oração relativa (seriam agramaticais sequências como «este é um deles pelo qual sou como sou» ou «este é um deles pelos quais sou como sou»). Tal significa que a oração relativa se subordina a «os motivos» e não a «um (de...)». Do ponto de vista semântico, pelos quais especifica o universo dos motivos, e só posteriormente é selecionada, dentro do referido universo de motivos, «o motivo» que se pretende salientar, facto que fica desde logo claro com a utilização da palavra um.

Contudo, o pronome relativo «o qual» pode concordar com «um», como a seguir se apresenta:

2.  Este é um dos motivos, pelo qual sou como sou.

Em (2), o pronome «o qual» faz parte de um grupo preposicional, tem como antecedente «um», que é núcleo da expressão «um dos motivos», e introduz uma oração explicativa. Esta possibilidade, que, na escrita, é marcada pela vírgula que separa a oração relativa do seu elemento subordinante, fica mais clara contextualizando devidamente a frase 2, como se faz no exemplo adiante:

Pergunta:

Gostaria de saber se, na expressão «Conferência em Glândulas Salivares» (relativamente a um evento científico, tipo congresso), é adequado utilizar-se a preposição em (ou, porventura, se seria preferível outras, como de ou sobre).

Grato.

Resposta:

Na frase em apreço, o uso da preposição em não se adequa, pois supõe que a conferência se realiza nas glândulas salivares. Por isso, é preferível utilizar a preposição sobre se nos quisermos referir ao teor da conferência (Conferência sobre Glândulas Salivares).

A preposição em introduz, segundo o Dicionário da Porto Editora (na Infopédia),  expressões que designam: lugar (em casa), tempo (em agosto), modo ou meio (em silêncio, em dinheiro), estado (em lágrimas) e proporção (três em cinco). Esta mesma fonte refere também que a preposição em ocorre em expressões que designam matéria, como por exemplo anel em ouro. No entanto, este uso é rejeitado pela gramática normativa, que determina que, em referência à matéria de que é feita qualquer objeto, se deve empregar a preposição de. Assim, anel de ouro seria, tradicionalmente, a forma correta.