DÚVIDAS

A compatibilidade entre ponto de exclamação e dois-pontos, de novo

Gostaria de retomar a questão analisada em 3/10/2005. Conforme bem disse a nobre consultora Maria João Matos, a frase proposta poderia ser reformulada.É evidente que uma sentença quase sempre é passível de rearranjo, de maneira a tangenciar ou evitar situações frasais incomuns. O problema se apresenta quando se faz mister a transcrição da frase tal qual pronunciada pelo falante.A título de exemplo, suponhamos que alguém, em meio a uma acalorada discussão, está prestes a enunciar uma série de argumentos, que vão ao encontro do seu parecer. Diz assim:"Dar-me-ás razão nos seguintes fatos:"Suponhamos ainda que antevendo a possibilidade real de tais fatos virem a melindrar seu interlocutor, acrescente, esperançosa e antecipadamente:"Valha-me Deus!"Deveríamos escrever, pela lógica, a frase desta forma, pois assim foi proferida:"Dar-me-ás razão nos seguintes fatos, valha-me Deus!:"A exclamação é necessária, pois a segunda oração é exclamativa; os dois-pontos são necessários, pois introduzem uma enumeração. Não é possível escrever "Dar-me-ás razão nos seguintes fatos: Valha-me Deus!", por razões óbvias. Portanto, a meu ver, se se for enunciar "ipsis verbis" a referida frase, não há como fugir à concomitância dos sinais de pontuação.A propósito, a frase que me serviu de exemplo na anterior consulta, retirei-a de uma tradução gabaritadíssima de "Dom Quixote". Causou-me ela espécie, mas não aversão.

Resposta

Grata pelo gentil epíteto. Quanto ao assunto em apreço, numa coisa estamos de acordo: a frase causa uma certa estranheza – certamente porque o seu uso não é habitual, o que me faz continuar a achar que é preferível evitar esse tipo de pontuação, como referi na minha primeira resposta. Dada a omissão das gramáticas de referência em relação a este assunto, limito-me a fazer uma interpretação. Ambos os sinais (dois-pontos e ponto de exclamação) são sinais melódicos, cabendo a cada um valor distinto, não fazendo por isso muito sentido juntá-los no mesmo momento. Se tomarmos o exemplo do ponto de interrogação e do ponto de exclamação, verificamos que cada um deles tem um valor melódico diferente, resultando, da combinação de ambos, uma nova entoação. Admito no entanto que não devamos ser rígidos a este respeito.Peço desculpa pela insistência, mas continuam a surgir-me outras formas de pontuar a frase. É pena que não tenha completado a que deu como exemplo, porque me parece que a expressão «valha-me Deus!» pode tornar toda a frase exclamativa.Arrisco completá-la, para completar o meu pensamento:«Dar-me-ás razão nos seguintes factos, valha-me Deus: ou pagas, ou vais para a prisão!» Se for pronunciada como um aparte, pode vir entre parênteses:«Dar-me-ás razão nos seguintes factos (valha-me Deus!): ou pagas, ou vais para a prisão.» E há sempre a possibilidade do travessão em vez dos dois-pontos:«Dar-me-ás razão nos seguintes factos, valha-me Deus! – ou pagas, ou vais para a prisão…»No entanto, se de facto acha que há situações incontornáveis, e se, para além disso, dispõe do exemplo tirado de uma tradução que lhe oferece toda a confiança, pois… fica ao seu critério o seu uso. Também não o considero uma aberração. E, que eu saiba, não está escrito em lado nenhum que tal não é possível.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa