Nas expressões «alguma coisa» e «qualquer coisa», os valores de alguma e qualquer1 são bastante próximos e até se confundem em certos contextos, como, por exemplo, nas interrogações, podendo usar-se indiferentemente:
1) «Queres comer alguma/qualquer coisa?»
Em 1), «alguma coisa» e «qualquer coisa» são expressões praticamente sinónimas, equivalentes a algo, que, como pronome indefinido, não é muito usado em português coloquial.
No entanto, verifica-se que, com o indefinido algum, se pressupõe a existência de alguém ou alguma coisa, enquanto com qualquer se pretende aludir à identificação de alguém ou alguma coisa. Estes valores semânticos também se evidenciam no uso de «alguma coisa» e «qualquer coisa», com maior clareza em certos contextos. Por exemplo, numa frase imperativa, proferida num restaurante, pode dizer-se:
2) «Para beber, traga qualquer coisa, tanto me faz.»
Já não parece tão natural o seguinte exemplo:
3) ? «Para beber, traga alguma coisa, tanto me faz.»
A frase 3) é estranha, não simplesmente porque não é hábito usar «alguma coisa» nesse contexto, mas porque alguma não parece compatível com a manifestação de indiferença quanto à identificação ou tipo da coisa que é pedida.
Note-se que, sobre qualquer, Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, na Gramática da Língua Portuguesa (Edições 70, 1980, p. 514; ver também a versão original em espanhol, da Editorial Gredos), referem que a palavra serve para individualizar «um indivíduo ou grupo extraído indiferentemente doutros da mesma espécie».
1 De acordo com o Dicionário Terminológico, destinado em Portugal ao ensino básico e médio, algum é um quantificador existencial, enquanto qualquer pertence à classe dos quantificadores universais. No quadro da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, trata-se de pronomes indefinidos adjuntos, mais tarde (por volta dos anos 80 do século passado) denominados «determinantes indefinidos».