Antes de mais, queremos felicitar o consulente pelo seu excelente português, pois, apesar de alguns erros ortográficos (*interês > interesse; *açcão > acção; * desconsciente> inconsciente; *fiqou> ficou), revela um óptimo conhecimento e maturação da língua a nível sintáctico, que é um dos aspectos mais difíceis de dominar para um não nativo.
Agradecemos, ainda, o apreço manifestado pelo trabalho do Ciberdúvidas.
Comecemos, agora, a desenvolver a resposta às duas questões que nos foram apresentadas:
(i) Qual a diferença entre «fiquei sabendo»1 e «soube»?
(ii) Qual a diferença entre «esteve inconsciente» e «ficou inconsciente»?
Trata-se de duas questões distintas, visto o verbo ficar ter funções sintácticas diferentes em (i) e (ii). Em (i) é um verbo auxiliar (de aspecto), enquanto em (ii) é um verbo copulativo.
Respondendo à primeira questão, a nuance de significado é mínima. Basicamente, são usadas duas construções sintácticas diferentes para dizer a mesma coisa. A principal diferença semântica prende-se com o emprego do verbo auxiliar ficar, ou seja, o pretérito perfeito simples não denota qualquer outra interpretação subjacente, enquanto a construção ficar + gerúndio, «ficou sabendo», pode ser interpretada como «soube, apesar de não ser suposto vir a saber», ou, «soube quase que inesperadamente».
Relativamente à segunda questão, na estrutura em que se empregam, ambos os verbos, estar e ficar, são verbos copulativos estativos, mas têm valores aspectuais diferentes: estar exprime continuidade de um estado, ficar indica a passagem a esse estado e/ou a permanência no mesmo. Cunha e Cintra (2005: 134) classificam a expressão do verbos estar e ficar, respectivamente, de «estado transitório» e de «mudança de estado», apresentando os seguintes exemplos:
«b) estado transitório:
(Castro Soromenho, TM, 236.)
Você não anda um pouco fatigado pelo excesso de trabalho?
(Carlos Drummond de Andrade, CA, 139.)
c) mudança de estado:
Receava que eu me tornasse ingrato.
(Augusto Abelaira, NC, 14.)
Amaro ficou muito perturbado.
(Érico Veríssimo, LS, 137.)»
Simplificando estas noções ao máximo, e quase que intuitivamente, quando se fala em «estado transitório», dá-se ênfase à continuidade do estado ou mesmo da situação actual, para a qual se transitou, por oposição ao estado anterior contínuo, descrito com o verbo copulativo estar: «esteve inconsciente — agora já não está», ao passo que com o conceito «mudança de estado» dá-se ênfase ao estado que resultou da mudança, ou seja, ao estado descrito pelo verbo ficar: «ficou inconsciente — antes não estava».
A escolha de uma ou outra forma verbal pode também estar relacionada com a informação acerca do factor que provocou o resultado da situação. Por exemplo, quando se diz «ele esteve inconsciente», não se sabe, ou não é relevante saber, a causa de «ele ter estado inconsciente». Por outro lado, ao usarmos o verbo «ficar», dá-nos a sensação de que houve algum factor externo que provocou o «ele ter estado inconsciente».
Por último, é verdade que o verbo espanhol quedar(se) pode ser traduzido na maioria dos casos pelo verbo português ficar, e que se assemelha ao mesmo quanto ao uso. Mas nem sempre se pode traduzir quedar(se) por ficar nem ficar por quedar(se). Por exemplo, «a minha casa fica nesta rua» traduz-se por «mi casa está en esta calle». Mas achamos que não devemos desenvolver esta questão, pois só vai complicar o raciocínio feito até aqui. A língua espanhola tem as suas complexidades, que não se deverão confundir com as complexidades do português, a não ser a título comparativo, o que implicaria um trabalho de fundo que não nos compete aqui.
Para um maior aprofundamento da questão aspectual dos verbos estar, ficar e ser, aconselhamos a pesquisa por esses mesmos itens no Ciberdúvidas, pois é um dos temas muito trabalhados pelos vários consultores.
Sempre ao seu dispor.
1 A construção ficar/estar + gerúndio é mais usada no Brasil e nos países africanos de expressão portuguesa. No que diz respeito ao português europeu, essa construção é dialectal, reservando-se, principalmente, ao Sul e às ilhas. A construção equivalente preferida é ficar/estar a + infinitivo.