DÚVIDAS

A expressão «qual seja»

Vejo bastante oscilação no uso e nenhuma referência, nas gramáticas, quanto à análise da expressão «qual seja» em frases como:

«O sujeito tem um papel importante na frase, qual seja o de conjugar o verbo.»

Entendo essa expressão como uma oração adjetiva explicativa, por isso não uso vírgula após o «qual seja». Mas vejo que se usa bastante como uma intercalação («... papel importante, qual seja, o de conjugar...»). Como devo usar essa expressão, entre vírgulas, ou não? E qual a análise correta das orações da frase que ora apresento como exemplo?

Obrigado pela atenção.

Resposta

Pela análise dos exemplos que observei no Corpus do Português, parece-me que a expressão é usada com dois sentidos levemente distintos: quando ocorre entre vírgulas é equivalente a «ou seja», como se estivesse a explicitar o sentido do que está antes:

1. «O crime não produz o efeito desejado, qual seja, a morte...»

Quando aparece apenas antecedido de vírgula tem, sobretudo, um valor expletivo, ou de realce:

2. «Todas as informações nasceram de uma fonte teoricamente insuspeita e qualificada, qual seja a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro…»

Curiosamente, em ambos os casos a expressão pode ser omitida sem grande alteração de sentido:

1.1. «O crime não produz o efeito desejado, a morte...»

2.1. «Todas as informações nasceram de uma fonte teoricamente insuspeita e qualificada, a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro…»

Pela sua interpretação, ao considerar a expressão como uma oração adjectiva explicativa, está a atribuir-lhe um sentido equivalente a «ou seja», pelo que deverá colocar a expressão entre vírgulas. Note-se que é esse o procedimento previsto na língua portuguesa para as orações adjectivas explicativas, sendo esse facto que, formalmente, as distingue das relativas restritivas.

Quanto à análise dessa expressão, em 1 poderemos, efectivamente, como diz, considerar que equivale, de certo modo, a uma oração relativa explicativa. Porém, se a compararmos com uma relativa explicativa típica, do tipo:

3. «O João, que é um jovem muito perspicaz, percebeu logo a situação»,

vemos que, quer do ponto de vista estrutural, quer do ponto de vista de sentido, se afasta um pouco, assumindo algum valor de realce. Esse realce é mais evidente em 2, onde a expressão se liga directamente ao elemento que destaca, ou realça: «a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro…» Gostaria de referir que o facto de estarmos perante uma expressão fixa dificulta a sua análise sintáctica, sobretudo porque a sua fixidez se aproxima de uma gramaticalização, em que as expressões têm um valor relacional ou de ligação, contribuindo para a coesão textual do conjunto em que se inserem.

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