Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sobre o período «Si o incitavam a falar exclamava: – Ai! Que preguiça! ... e não dizia mais nada.» [de Macunaíma, de Mário de Andrade], pergunto:

1) Há oração nos termos «Ai!» e «Que preguiça!»?

2) Se houver, quais os verbos que estão implícitos?

3) Quantas orações existem no período?

4) O período é misto?

5) A oração «Si o incitavam a falar» é oração subordinada adverbial condicional?

Obrigado.

Resposta:

O excerto que apresenta é de análise difícil e, eventualmente, controversa, pois não se trata de um período tipicamente analisado em sintaxe, pela pontuação usada e pela entoação que implica.

Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, associa período a enunciado e refere que os enunciados podem ter designações diversas, dependendo do sentido que pretendem veicular: declarativo ou enunciativo, interrogativo, imperativo-exortativo, vocativo e exclamativo (p. 407 – 37.ª ed., 2001).

Bechara diz ainda que «Entre os tipos de enunciados há um conhecido pelo nome de oração, que pela sua estrutura, representa o objeto mais propício à análise gramatical, por melhor revelar as relações que seus componentes mantêm entre si, sem apelar fundamentalmente para o entorno [situação e outros elementos extralinguísticos] em que se acha inserido. É neste tipo de enunciado chamado oração que se alicerça, portanto, a gramática…» (p. 407 – 37.ª ed., 2001).

Se for seguida a descrição de Bechara, idealmente, não se selecionam exemplos como o que está em análise para estudar, salvo num nível muito elevado…
Feita esta ressalva, tentar-se-á analisar o exemplo em apreço, tendo consciência de que essa análise poderá ser objeto de polémica e interpretação diferente.

Vejamos ponto a ponto:

1) Há oração nos termos «Ai!» e «Que preguiça!»?

Bechara distingue os conceitos frase e oração, aproximando frase de enunciado num nível extrassintaxe e considerando oração «uma unidade onde se relacionam sintaticamente seus termos constituintes e onde se manifestam as relações de ordem e recção que partem do núcleo verbal e das quais se ocupa a descrição gramatical» (p. 540, 37.ª ed.).

Pergunta:

Na frase apresentada, a palavra destacada poderá ser usada?

«O mar é um meio de locomoção para os barcos.»

Obrigado.

Resposta:

O contexto em que a palavra surge não é o apropriado ao seu significado.

Importa, antes de mais, assinalar que, na frase em apreço, o termo locomoção não surge isolado, como em «A locomoção é uma função que permite a um animal deslocar-se.» Surge, antes, numa expressão complexa, que veicula um sentido específico: «meios de locomoção» integrando os diversos meios (carros, barcos, bicicletas, aviões) de que o homem dispõe para se deslocar, embora a deslocação seja uma característica comum a todos os animais.

Os diversos meios de transporte, por seu lado, usufruem de infraestruturas, ou vias de locomoção (rodoviárias, aquáticas ou aéreas) onde a sua deslocação é facilitada.

O mar pode ser, de uma forma genérica, uma via de locomoção aquática, ou marítima, mas não se insere no sentido específico que a palavra complexa «meios de locomoção» adquire.

Pergunta:

Qual(is) a(s) regência(s) do verbo intimar?

É aceita a forma «intimar alguém algo», ou sempre há o objeto indireto quando esse verbo apresenta transitividade?

Vocês podem me informar em quais livros tenho acesso a regências verbais?

Resposta:

A expressão correta é «Intimar alguém a algo…»

O verbo intimar pode ser:

a)    Transitivo direto com sentido de «convocar»: «O tribunal vai intimar as testemunhas.» Com sentido de «ordenar» o complemento direto (objeto direto) pode ser uma frase: «O Conselho Administrativo intimou que o operador se demitisse» (frase extraída do Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Malaca Casteleiro (org.), Texto Editores.
b)     Transitivo direto e indireto – sendo muitas vezes o complemento indireto (objeto indireto) uma frase – com sentido de «ordenar»: «Intimou o suspeito a responder.»

No verbo intimar parece haver uma ação desencadeada pelo sujeito que tem como objetivo levar outras entidades (pacientes) a, por sua vez, desencadearem outra ação. Efetivamente, mesmo quando é transitivo direto, como em «o tribunal vai intimar as testemunhas», fica subjacente a ação de comparecer que se espera dessas testemunhas. No caso da frase «o Conselho Administrativo intimou que o operador se demitisse», a ação potencialmente desencadeada pelo Conselho Administrativo prevê uma ação por parte da entidade sujeito da frase que é complemento direto – «o operador»: demitir-se.

Há vários dicionários de regência verbal. Além do que vai indicado acima, poderá consultar com proveito o Dicionário Prático de Regência Verbal (Editora Ática), de Celso Luft, ou o Dicionário de Verbos e Regimes (Editor...

Pergunta:

Diz-se «alguém tomou da palavra» no sentido de «intervir», ou «alguém tomou de palavra» ou «alguém tomou a palavra»?

Resposta:

A frase correta é «alguém tomou a palavra».

O verbo tomar assume um leque de sentidos bastante diversificado e rico, podendo ser:

a) Transitivo direto, com sentido de «agarrar, segurar, apoderar-se de, invadir, assaltar»: «tomar um livro»;  «tomar a cidade».
b) Transitivo direto e indireto com sentidos próximos dos que tem em a), podendo o complemento ser indireto: «tomar a criança pela mão; «o assunto tomou muito tempo à direção».
c) Transitivo predicativo com sentido de «considerar»: «tomar alguém por tolo».
d) Transitivo indireto com complemento oblíquo, no sentido de «agarrar»: «tomou da caixa para arrumar as coisas» (exemplo extraído do Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses).
e) Pronominal, no sentido de «ser invadido»: «tomar-se de medo».

A par dos sentidos apontados acima – apenas como exemplo – o verbo veicula ainda sentidos mais «marginais» ou figurados como «assumir» («tomar a palavra»; «tomar proporções exageradas»), «decidir» («tomar uma resolução»), «ingerir» («tomar um café»; «tomar um medicamento»).

Surge ainda em outras situações que no dicionário Houaiss são indicadas como sendo tomar um verbo suporte, na medida em que permite a construção de uma perífrase, como na expressão «tomar banho», equivalente a banhar-se.

Na análise efetuada não foram registados outros exemplos em que o verbo tomar surgisse seguido da preposição de ou com qualquer outra, à exceção das situações registadas acima em d) e e).

Porém, uma pesquisa livre pelo Google mostra que são bastantes os usos em que o verbo surge seguido de preposição de; e a prática do dia a dia também mostra que essa construção acontece, como na situação em que um observador, vendo tomar um dado medicamento, diz «Já tomei disso.» Nesta situação parece que a frase veicula uma certa ideia de partitivo e ao mesmo tempo de distanciamento («não tomei esse medicamento,...

Pergunta:

«O Chile propôs-se tornar-se o país mais barato do mundo» será, no meu entender, uma frase incorreta, uma vez que não necessitaria ser utilizado o primeiro -se, mas há quem insista que está correto. Está correto, ou não? Qual a regra a aplicar?

Obrigado.

Resposta:

A frase em questão está bem construída, mas não será a mais elegante.

O verbo propor é utilizado como pronominal quando significa:

(1)    «oferecer-se» (O João propõe-se concluir o trabalho);
(2)    «ter como objetivo» (O João propõe-se chegar a presidente).

Por vezes a subordinada completiva pode vir introduzida pela preposição a: «O João  propõe-se a terminar o trabalho.»

Pela interpretação do verbo principal na frase em análise –«O Chile propôs-se tornar-se o país mais barato do mundo » – a perda da característica pronominal pode alterar o sentido e desviar, ou tornar menos forte, a ação do agente, por estranho que o agente possa parecer nesta frase, dado que corresponde ao país, Chile, a designar metonimicamente o governo do país: «O Chile propôs [a quem?] tornar-se o país mais barato do mundo.»

Com o verbo pronominal a resposta à pergunta «a quem?» recai sobre o próprio Chile, ou governo do Chile: «O Chile propôs-se [a si próprio] tornar-se o país mais barato do mundo.»

Vejamos agora a oração subordinada. Tem o mesmo sujeito: « …[O Chile] tornar-se o país mais barato do mundo.» O verbo tornar, quando pronominal, adquire o sentido «transformar-se».

Mas será esta pronominalização imprescindível? O verbo tornar transmite já na sua base uma potencial ideia de dinamismo que facilita a sua interpretação como transformação, mudança (ex.: O objetivo é tornar o evento mais atrativo.). Esse conceito básico de mudança poderá permitir o seu uso não pronominal na frase em apreço?

Vejamos:

1 - ?«O Chile propôs-se tornar o país mais barato do mundo.»

A frase que se transcreve como 1 tornar-se-ia mais adequada se o predicativo do complemento direto «mais barato do mundo» fosse introduzido pelo artigo o: «…tornar o país o mais barato do mundo.»:

2 - «O Chile prop...