Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em relação ao verbo opinar, é possível dizer-se «todas as pessoas podem opinar para uma melhor sociedade»?

Muito obrigado.

Resposta:

A preposição para na frase em análise dificilmente se enquadra na regência do verbo opinar.

O verbo opinar pode ocorrer como:

–  transitivo direto com o sentido de «entender, achar»: «O João opinava que a tarefa devia ser concluída»;

– transitivo indireto acompanhado de complemento oblíquo antecedido pelas preposições, ou conetores sobre, acerca de, a respeito de, com o sentido de «emitir opinião»– «O comentador opinava sobre a situação presente» – ou com as preposições por, a favor de, contra, se veicular o sentido de concordância ou discordância – «Os presentes opinaram pela saída do líder.»

No caso da frase em apreço, poderemos, eventualmente, interpretá-la como veiculando uma posição favorável a uma dada situação e, nesse caso, a preposição esperada seria, por exemplo, por: «(?)Todas as pessoas podem opinar por uma melhor sociedade». Porém, o facto de o verbo surgir modalizado – «podem opinar» – enfraquece, a meu ver, a mensagem, pois indicia um distanciamento que afasta o locutor da mensagem que produz; por esse facto, assinala-se a frase com (?).

Outra interpretação possível para esta frase seria considerar «para uma melhor sociedade» como uma frase elítica, em que se omitiu o verbo: «para construir uma melhor sociedade».

Tendo em conta esta segunda leitura, para seria uma conjunção que está a introduzir uma oração subordinada adverbial final infinitiva. Efetivamente a frase no seu conjunto enquadra-se na definição apresentada por Maria Lobo na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 2011 e 2012), para as subordinadas adverbiais finais de evento, as...

Pergunta:

Tenho uma dúvida relacionada ao uso da forma participial imprimido.

É certo que, por ser imprimir um verbo com duplo particípio, usa-se imprimido em tempos compostos e impresso nos demais casos. No entanto, creio ter percebido uma sutileza semântica que pode alterar esse padrão de uso. Com o sentido de «estampar, fixar, gravar, tipografar», [é verdade que] o padrão se mantém. Mas, com o sentido de «conferir alguma coisa a algo ou a alguém» ou «transmitir movimento/força a algo», penso que esse padrão se modifica, como se verifica em «Foi imprimida (e não impressa) grande velocidade ao carro para o estabelecimento do recorde».

Sendo assim, gostaria de saber duas coisas:

(1) O particípio regular imprimido pode ser usado não só em tempos compostos, a depender do seu sentido?

(2) Existem outros verbos (e quais seriam) que se encaixam nesse caso?

Muito obrigado!

Resposta:

 A característica que o consulente refere é apontada pelos gramáticos Celso CunhaLindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 442 da edição de 1984.

Os autores referem na observação número 5 ao artigo relativo aos verbos abundantes que o verbo imprimir só tem dois particípios «…quando significa "estampar", "gravar". Na acepção de "produzir movimento", "infundir" usa-se apenas o particípio em -ido

Este aspeto não é valorizado nos dicionários consultados, embora alguns, como o HouaissJosé Pedro Machado no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, alertem para a existência do duplo particípio.

Respondendo às questões colocadas, poderemos dizer, sim, que no caso do verbo imprimir, o sentido do verbo condiciona o uso do particípio, uma vez que só comporta duplo particípio quando significa «gravar» ou «estampar».

Quanto à segunda questão que coloca, há alguns verbos no português que parecem admitir uma dupla situação de uso do particípio no caso dos verbos compostos, por estarem em fase de transição, quer admitindo duplo particípio, como entregar – entregado, entregue («tem entregue»/«tem entregado») – quer perdendo essa característica, como ganhar – (ganhado), ...

Pergunta:

Na frase «ele respondeu com convicção a todas as questões», qual a função sintática de «a todas as questões»?

Resposta:

Há um conjunto de verbos que podem designar-se como verbos de transferência em que a ação designada pelo verbo se projeta, ou é transferida, no complemento indireto (CI), que, do ponto de vista semântico, assume o papel temático de alvo, meta, ou destino.

No caso do verbo responder há uma entidade agente (o sujeito) que responde, e há uma entidade, normalmente com o traço mais humano, que recebe a resposta. Essa entidade desempenha a função sintática de CI a que se atribui facilmente o papel temático de destino.

O que acaba de se expor explicita-se numa frase como 1:

1. «Ele respondeu com convicção à Maria.»

A entidade com função de CI em 1 é facilmente substituída pelo pronome:

1.1. «Ele respondeu-lhe com convicção.»

Curiosamente, a par desta construção, que poderemos considerar prototípica, o verbo responder assume outro tipo de construções em que à função sintática de complemento indireto não é atribuído o papel temático de destino. É o caso da frase em apreço que repetimos como 2:

2. «Ele respondeu com convicção a todas as questões.»

Note-se que, neste exemplo, o CI dificilmente pode ser substituído pelo pronome (os ??? indicam aceitabilidade reduzida ou nula):

2.1. ???«Ele respondeu-lhes com convicção.»

O referente de lhes em 2.1 parece ser não «a todas as questões», mas, sim, a pessoa, ou pessoas, que terá formulado essas questões. E, nesta interpretação, a expressão «a todas as questões» assume um papel temático mais próximo do tema, associável em muitos casos ao complemento direto.

Pergunta:

Em:

«Havia cinco alunos, dos quais três já desistiram de ir ao evento.»

Qual a função sintática que o pronome relativo exerce na oração a qual pertence?

Resposta:

A resposta não é direta. A construção pressupõe «três dos alunos», que tem valor partitivo. Sendo assim, «dos alunos» é complemento nominal. Consequentemente, numa oração relativa, «dos quais», que inclui o pronome relativo «o qual», cujo antecedente é «cinco alunos», também é complemento nominal na frase em questão.

Desenvolvendo um pouco a análise de «dos quais», trata-se de um complemento: o núcleo de «três dos quais» é «três» – com valor nominal; e «dos quais» restringe o universo a que se refere a informação veiculada pela oração em que se insere – «três – dos quais (alunos)/deles – já desistiram…»

Um exemplo semelhante é registado por Maria Helena Moura Neves, na Gramática de Usos do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003, p. 587):

«Das seis crianças que foram receber a merenda, somente três estudam na escola.»

Nesta frase, a autora considera que «três» é adjunto adnominal, subentendendo-se «três crianças». Porém, tanto aqui como no exemplo em análise, «três» é o núcleo, e «dos quais», o complemento com valor partitivo, ou se quisermos, restritivo. Em qualquer dos casos, é uma situação em que o numeral desempenha a função nuclear dentro do sujeito, assumindo um valor "nominal" (por elipse do nome). Sendo assim, a análise sintática da expressão encaixada «dos quais» tem de ser feita a partir deste pressuposto.

Refira-se que, tanto em Portugal como no Brasil, se pode considerar «dos quais» um complemento, sobretudo se tivermos em conta o que acerca do complemento nominal diz Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeir...

Pergunta:

Gostaria de saber a vossa opinião acerca da gramaticalidade das seguintes frases:

(a) Um terço das mulheres presentes está grávida.

(b) Das mulheres presentes, um terço está grávida.

Este assunto foi discutido [num] fórum. O que se passa nestas frases é que temos uma concordância mista: um adjetivo, grávida, que concorda em número com o sujeito gramatical, «um terço das mulheres/das mulheres, um terço», e em género com o sentido desse sujeito, que são várias mulheres (coisa que tenho visto designada por concordância siléptica).

[O] vosso artigo "Concordância total e parcial ou atrativa" discute uma concordância “mista” (global em número, atrativa em género) no caso de um sujeito composto por uma lista de nomes, e diz que há gramáticos que a admitem. Não me parece grande acrobacia adaptar essa concordância “mista” às minhas frases acima. Mas gostaria de saber se isto é considerado aceitável ou até mesmo recomendável face a alternativas como «das mulheres presentes, um terço está grávido/estão grávidas».

Resposta:

A  concordância gramatical mais correta é «um terço está grávido». Por outras palavras, como adjetivo, é legítimo empregar grávido, e, por vezes, até já se ouvem casais (sobretudo em telenovelas) a dizer «estamos grávidos». No entanto, não parece motivo de escândalo a concordância psicológica, ou por silepse: «um terço estão grávidas».  Mesmo assim, seria preferível recorrer a uma das seguintes alternativas, estilisticamente, maneiras de fugir às ratoeiras da concordância:

1 – Das mulheres presentes, um terço são grávidas.

2 – Das mulheres presentes, um terço é formado por grávidas.