Como bem observa o consulente, os dicionários gerais que registam a imprecação preservam a estrutura frásica original: «raios (me/te/o...) partam!» ou «raios partam [qualquer coisa/alguém]!».
No entanto, num dicionário de regionalismo, o de Guilherme Augusto Simões (Dicionário de Expressões Populares Portuguesas), já se dá conta de haver um processo de alteração ou deturpação fonética ou sintática, quando se escreve «"rais" te partam» (raios passa a "rais") e «raios te "parta" (o verbo não concorda com o sujeito), das quais parecem proceder as formas aglutinadas (ou amalgamadas) "rasparta" ou "raisparta", usadas como interjeição.
Trata-se, portanto, de um processo que ainda não está concluído, porque muitos falantes parecem ser capazes de reconhecer a frase primitiva. Por outro lado, o resultado é uma palavra que funciona como interjeição, passando por alterações que encontram paralelo na história de outras palavras como a conjunção embora (< em boa hora) ou o advérbio sobretudo (< sobre tudo), que se gramaticalizaram1.
No caso de "raistaparta", variante da referida amálgama, ocorre também a forma "ta", cuja vogal permite apoiar melhor ou tornar mais audível o "t". Com efeito, "raisteparta" soará "raistparta", numa prolação que pode confundir-se com "raisparta". Este processo de substituição de e (ou outra vogal) por um a reduzido em sílaba átona ocorre noutros casos: "radondo", por redondo, "granda", por grande.
N. E. – Fala-se de erosão, quando se descrevem casos como estes, em que ocorrem a redução ou perda progressivas de material linguístico, principalmente na forma fonética de morfemas e palavras (cf. Lyle Campbell, A Glossary of Historical Linguistics, Edinburgh University Press, 2007, s.v. erosion). Ler também abertura de 09/03/2020, intitulada "A erosão linguística em raisparta, a pergunta-tag «não já?», ainda o coronavírus e a leitura digital vs. leitura em papel".