A palavra culpa surge em português (e, em geral, nas línguas românicas ibéricas) sem grandes alterações fonéticas a partir do latim ‘culpa’. A consulta de dois dicionários recentes (o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa) mostra que a palavra designa não só uma falta para com a lei, seja ela religiosa ou civil, mas também a consciência dessa falta por quem a cometeu. Recuando mais um pouco, ‘culpa’ aparece como ‘colpa’ no latim mais antigo e como ‘kulupu’ no osco (língua itálica, isto é, da mesma família do latim), com etimologia duvidosa, segundo Buck (A Dictionary of Selected Synonyms in the Principal Indo-European Languages, 1947, pág. 1183). Além de ‘culpa’, coexistiam as formas ‘noxa’ ou ‘noxia’, que designavam a «maldade» ou «ofensa» causadas. É talvez através do latim e dos seus parentes indo-europeus que podemos ficar um pouco mais esclarecidos quanto ao seu significado inicial. Buck explica que há dois significados a considerar nas palavras indo-europeias que designam o conceito de «culpa»: a) uma infracção de carácter moral menos forte que o «pecado», mas mais grave que o simples «erro» (a chamada falta); b) a responsabilidade moral por uma acção incorrecta (a chamada culpabilidade). Estes eram os significados recobertos pelas palavras latinas ‘culpa’ e ‘noxa’ ou ’noxia’. Observe-se ainda que as línguas germânicas, as balto-eslavas e as indo-iranianas têm palavras que correspondem sobretudo ao sentido enunciado em (b), enquanto o sentido (a) é designado por palavras ligadas ao simples «erro» (ver Buck). Parece, pois, que nestas línguas é forte o traço semântico «responsabilidade» na construção do conceito de culpa. Pelo que o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, mostra, o nome culpa encontra-se um pouco mais tarde (século XIV) na documentação portuguesa medieval, do que culpar e culpado, atestados, pelo menos, nas Cantigas de Santa Maria de Afonso X de Castela (não esquecer que o português antigo ou galego-português era também língua literária em Castela, no século XIII).