DÚVIDAS

Ainda sobre a pronúncia do apelido Félix

Li o comentário sobre a forma como deve ser pronunciado o apelido Félix, onde se refere ser mais correcto ¹ pronunciar-se ''Félicse", e não Félixe", como é prática do próprio.

É "errado" dizer-se da forma como ele (o futebolista João Félix – e respectiva família) o faz, é mais correcto pronunciar como "Félixe", ou são ambas aceites devendo, como tal, escolher-se na pronúncia por jornalista a praticada pelo próprio?

¹ Não uso o Acordo Ortográfico  em escrita pessoal. Apenas quando sou obrigado a isso.

Obrigado.

Resposta

Há um equívoco na primeira parte da pergunta, que importa desfazer desde já: a pronúncia recomendada do apelido Félix não é "Félicse" – mas, sim, [ˈfɛliʃ], com a sílaba final dita como a palavra lápis. É assim que registam todas a obras de referência – caso, entre outros, do  Vocabulário da Lingua Portuguesa de Rebelo Gonçalves (edição  de 1966)  – pelas razões  já  aqui transcritas, conforme o esclarecimento da professora  Maria Regina Rocha no livro sobre a 1.ª série do programa Cuidado com a Língua! 1 :

«A sílaba final do apelido Félix pronuncia-se como a sílaba final da palavra lápis.(...)

«Os nomes portugueses terminados em x vieram directamente do nominativo latino (e não do acusativo, como é a regra geral) e mantêm em geral em português a pronúncia latina /ks/ (Fénix, ónix, tórax, clímax, córtex, Ajax, etc.), pois entraram tardiamente no português (no século XVI ou seguintes), importados directamente do latim, sem evolução.

«As excepções são cóccix (/cóccis/), por questões de eufonia, e o antigo cálix (/cális/), do vocabulário litúrgico, que entrou no português muito cedo, havendo registos escritos com /s/ final no português antigo, no séc. XIII.

«Quanto a Félix, a grafia latina aconselharia a pronúncia em /ks/, mas esta palavra também entrou no português muito cedo, ainda na fase da formação da língua, aparecendo já no século XI registada como Felici e Felice, sendo, pois, esta a pronúncia que existia e perdurou, mesmo quando se recomeçou a grafar Félix. (…).»

O facto  de o futebolista  João Félix e a sua família invocarem que sempre disseram o apelido com a prolação /ks/ é um direito que lhes assiste. Não sendo, porém, essa a norma culta, é esta que deve ser seguida pelos jornalistas que o nomeiam na rádio ou na televisão. Tal como acontece com a pelido do economista  e ex-ministro António Bagão Félix —  (bem) explicado pelo pelo próprio  no magazine Cuidado com a Lingua!, emitido na RTP 1 no dia 22 de setembro de 2006.  À imagem, de resto do que se recomenda com todo o tipo casos similares de pronúncias defeituosas  – como é o caso da generalizada pronúncia errónea  “ Rónaldo” ou do plural “acórdos”, por exemplo.

Em suma, existem sempre variantes – fonéticas, como é o caso, ou de outra natureza (ortotográficas, morfológicas, lexicais, sintáticas) – mas, em matéria de informação, o discurso jornalístico escrito ou oral deve ater-se às formas da norma-padrão2.

 

1 Publicado em 2008 pela Oficina do Livro,  e, por isso, escrito conforme a norma ortográfica de 1945, oficialmente ainda em vigor no país naquela data.

2 É o caso dos antropónimos Raul, Paul ou Saul, sem acento, por muito que quem assim se chame ponha o acento. Ou, inversamente, com o acento obrigatório no nome Rúben. Ou de outras tantas incorreções generalizadas no espaço mediático que só diminuem  quem as repete acriticamente – desde as «pessoas evacuadas», as «crianças abusadas», o anglicizante «é suposto». ou o erro  de concordância (cometido até por muitos escritores de nomeada...) da expressão um dos que com predicado no singular. Etc., etc., etc.

 

Cf. Diga-se o apelido Félix como se diz o substantivo lápis

 

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