A sinonímia de escorreito e liso em contexto literário
Escorreito, do lat. excorrectus.
Quando uso a palavra escorreito, não consigo deixar de associar-lhe, mais ou menos libertinamente, perdoem-me, a nuance que nela vejo de «corredio» (lat. currĕre) ou «escorrido» (lat. excurrĕre), no sentido de um universo «fluido», «fluente», «direito», «liso», «limpo», sem falhas ou obstruções que impeçam o corrimento (afastando-me assim dos seus sentidos originais de «perfeito», «correcto», «apurado», «ajuizado» ou «são»).
Sou tradutora de japonês-português literário, e há um adjectivo nesta língua oriental, nameraka, que me prende. Ele remonta ao "deslizar", ao "escorregadio", e significa «liso», «macio», «suave», «calmo», «fluente» ou «direito» não só no sentido físico, mas no sentido também, por exemplo, da linguagem ou do tom de expressão, diríamos nós, escorreito, correcto, de um falante. A verdade é que, cada vez que me confronto com esta palavra, sou tentada a traduzi-la por escorreito... Num caso em concreto, literário, deparo-me com o contexto da água do mar, quando uma onda avança e se espraia num abraço sobre a areia, nela deixando aquilo que sou levada a traduzir um «espelho escorreito», mas que provavelmente seria mais correcto dizer «espelho liso», por exemplo.
As palavras etimológica e foneticamente semelhantes poderão ter tendência a aproximar-se e mesmo a fundir-se em determinados contextos, nomeadamente literários ou poéticos, mas também no modo como as pessoas em geral acabam por avizinhá-las semanticamente no seu uso. Haverá neste caso, porém, alguma “legitimidade” linguística em aproximá-las?
Agradecidamente,
