No poema transcrito, para além da anástrofe (ou inversão), há várias figuras de estilo, destacando-se as seguintes:
— personificação, em «me vencia a solidão», «um verso rebelde/alegre»
— oxímoro e hipérbole, em «O quase-nenhum virou mil»
— sinestesia, na 3.ª estrofe, em «Tomei-o nos lábios», «a Voz trémula / queria muito ouvi-la altissonante», pois sugerem-se aí várias sensações: a do tato e a do paladar («Tomei-o nos lábios, vacilante»), assim como a da audição («A voz trémula / ouvi-la altissonante»).
— aliteração, na 4.ª estrofe, em que sobressai a repetição de sons sibilantes e desagradáveis («perverso/, do mais fútil e pérfido / Deixou-me só o fingido verso»), carregado de marcas negativas.
O jogo entre solidão, canção, verso e amante, fazendo apelo aos sentidos, e sugerindo a instabilidade de sensações — desânimo, entusiasmo, entrega, deceção e perda —, confere um ritmo ondulante, tal como uma melodia, ao texto: de ascensão progressiva (até final da 3.ª estrofe) para decair repentinamente com a consciência da perda (do fingimento do verso = futilidade do amante).
Assim, hábil e intencionalmente, o sujeito poético mistura, associando, o verso (fruto da canção) e o amante/amado, surgindo um como reflexo do outro. Da vertigem alucinante da euforia passa, velozmente, à queda na frieza da desilusão.