DÚVIDAS

As figuras de estilo em «Versilusão»

Gostaria, por gentileza, que se apontassem três figuras de estilo no poema abaixo. Nele pode-se considerar que o "verso" citado pelo sujeito poético retrate um amor não correspondido, ou apenas retrataria a difícil arte de compor um poema?

Versilusão

Quando me vencia a solidão,

Um estranho lampejo surgiu

Quando todo sonho era vão,

O quase-nenhum virou mil

 

Nascido em trevosa canção,

Um verso, uma imagem sutil,

Rebelde como poucos o são,

Alegre como os ares de abril

 

Tomei-o nos lábios, vacilante

A voz trêmula, na ilusão imerso,

Queria muito ouvi-la altissonante

 

Igualando, porém, o ato perverso

Do mais fútil e pérfido amante,

Deixou-me só o fingido verso.

Resposta

No poema transcrito, para além da anástrofe (ou inversão), há várias figuras de estilo, destacando-se as seguintes:

— personificação, em «me vencia a solidão», «um verso rebelde/alegre»

— oxímoro e hipérbole, em «O quase-nenhum virou mil»

— sinestesia, na 3.ª estrofe, em «Tomei-o nos lábios», «a Voz trémula / queria muito ouvi-la altissonante», pois sugerem-se aí várias sensações: a do tato e a do paladar («Tomei-o nos lábios, vacilante»), assim como a da audição («A voz trémula / ouvi-la altissonante»).

— aliteração, na 4.ª estrofe, em que sobressai a repetição de sons sibilantes e desagradáveis («perverso/, do mais til e pérfido / Deixou-me o fingido verso»), carregado de marcas negativas.

O jogo entre solidão, canção, verso e amante, fazendo apelo aos sentidos, e sugerindo a instabilidade de sensações — desânimo, entusiasmo, entrega, deceção e perda —, confere um ritmo ondulante, tal como uma melodia, ao texto: de ascensão progressiva (até final da 3.ª estrofe) para decair repentinamente com a consciência da perda (do fingimento do verso = futilidade do amante).

Assim, hábil e intencionalmente, o sujeito poético mistura, associando, o verso (fruto da canção) e o amante/amado, surgindo um como reflexo do outro. Da vertigem alucinante da euforia passa, velozmente, à queda na frieza da desilusão.

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