Usualmente costumamos pensar que Cupido é o correspondente latino para o deus grego do Amor, Eros. Isto é, aliás, comprovado pelo significado do seu nome: tanto o Grego erôs como o Latim cupido significam, entre outras coisas, "desejo". No entanto, isto não significa que a mitologia dos dois seja exactamente a mesma. Se Cupido é tradicionalmente filho de Vénus e de Marte, já o mesmo não se pode dizer de Eros.
Na verdade, ao longo das épocas foram diversas as tradições acerca da sua origem. Em Hesíodo, por exemplo, o primeiro autor a fazer referência a esta divindade (Teogonia, 116-122) , Eros é uma força primordial, que irá contribuir para a geração de novos seres, divindade que surgiu imediatamente a seguir à Terra e que é descrita da seguinte forma, nos versos 120-122: "Eros, o mais belo dos deuses imortais, aquele que enfraquece os membros, aquele que, no peito de todos os deuses e de todos os homens, domina o espírito e a vontade sábia.". É como entidade primordial que volta a surgir nos poetas líricos e nos tragediógrafos dos séculos VI e V a. C. (na Antígona, de Sófocles, o deus é-nos apresentado como um poder abstracto que governa todos os seres vivos sobre a terra).
Posteriormente, tentando arranjar-lhe um pai e uma mãe, poetas e mitógrafos atribuem-lhe as mais variadas genealogias: Alceu fá-lo filho de Íris e de Zéfiro, Acusilau, de Éter e da Noite, Eurípides (Hipólito, 530-534), de Zeus.
Porventura, uma das genealogias mais conhecidas é a de Platão, no Banquete, que o apresenta como tendo nascido da união de Pénia e de Poros (ou seja, da Pobreza e do Expediente), certo dia, no jardim dos deuses, aquando da grande festa comemorativa do nascimento de Afrodite, festa para a qual haviam sido convidadas todas as divindades. As representações artísticas mostram-nos que é sobretudo a partir do século III a. C. que o deus é considerado filho de Afrodite. Pinturas de vasos de 380 a. C. mostram-nos já Eros e Afrodite como mãe e filho. No entanto, na literatura, há vestígios anteriores dessa filiação, em Safo (filho de Afrodite e de Úrano) e em Simónides (filho de Ares e Afrodite). No entanto, se estes poetas da época arcaica atribuem um pai e uma mãe ao deus, já Apolónio de Rodes (século III a. C.) o considera apenas como filho de Afrodite, sem qualquer filiação paterna.
Passemos agora ao outro ponto da questão: a representação do deus do amor como uma criança rechonchuda e alada, armada de arco e aljava de flechas dourados. Em primeiro lugar, apraz-nos notar que desde Hesíodo (nos poemas homéricos não há qualquer referência ao deus, sendo as suas funções totalmente atribuídas a Afrodite), Eros é qualificado com epítetos que não só o associam à ideia de beleza (note-se que o próprio Hesíodo o considera o mais belo dos deuses) mas também à de ouro. Aristófanes, nas Aves, alude às "duas asas douradas" de Eros; Anacreonte refere-se à sua "cabeleira dourada" e às suas "asas brilhantes como o ouro". As asas são um traço importante na representação de Eros, pois remetem para as antigas divindades da natureza e sugerem, na poesia, a ideia da força e do impulso do amor. O deus é assim, simultaneamente, uma força oculta e monstruosa, uma potência cósmica que penetra o universo e o amor amargo-doce que confunde sentimentos e lamentos.
Se as asas pertencem à sua descrição tradicional (note-se que Anacreonte é um poeta do período arcaico), já a sua representação como criança rechonchuda e travessa não é tão antiga. Podemos constatar que, com o surgir do antropomorfismo, as representações de Eros e Afrodite começaram a sofrer modificações: o deus adquiriu um aspecto mais humano, transformando-se, tanto na poesia, como na arte figurativa, num efebo, um jovem, que alia a sua acção à de Afrodite.. No entanto, nos vasos de finais do século VI e inícios do V a. C. as duas divindades raramente surgem juntas. Só na segunda metade do século V a. C. é que o grupo volta a aparecer de novo nas representações artísticas, mantendo-se depois ao longo do período helenístico e na época tardia. A imagem de Eros como efebo tornou-se constante em diversas manifestações artísticas. É como efebo que o deus adquire dignidade olímpica, ao ser representado junto de Afrodite, no friso do Pártenon. Também em Eurípides o deus aparece como um acompanhante no cortejo de Afrodite.
Só no período helenístico é que Eros começa a ser representado como a criança alada e travessa que chegou aos nossos dias. Deve-se isso ao gosto dos alexandrinos pelas coisas pequenas. No século III a. C., Apolónio de Rodes, nos Argonautas, retrata o deus como uma criança alada que brinca no Olimpo com Ganimedes. As duas crianças jogam aos astrágalos (uma espécie de jogo de pedrinhas) e Eros faz batota, no que é repreendido por sua mãe, Afrodite. Esta ia buscá-lo, para que ele lançasse a Medeia uma das suas flechas, fazendo, assim, com que ela se apaixonasse por Jasão. Nos vários epigramas amorosos da Antologia Grega, por exemplo, encontramos o deus representado sempre como uma criança alada e travessa, que se deleita a ferir os pobres mortais com as suas flechas. Claro está que, por uma questão de justiça para com o deus, devemos reconhecer que ele não se limita a inspirar nos homens amores não correspondidos. Epigramas há em que o deus ajuda pastores a guardar os seus rebanhos, ou cuida de jardins, ou, ainda, qual criança fatigada, dorme num canteiro de flores enquanto a aljava e o arco ficam dependurados de um ramo.
Foi esta a representação do deus do amor que perdurou ao longo dos séculos, como é patente na arte do Renascimento ou ainda, no mesmo período, na literatura emblemática de Alciato, D. Heins e Otto van Veen, onde podemos encontrar inúmeras representações de Eros, seja de influência marcadamente alexandrina ou de inspiração latina (nomeadamente através de Virgílio e de Ovídio).