Com o sentido de «ato ou efeito de animalizar(-se), de tornar-se animal», «processo de deslocar ou fazer deslocar alguém ao nível do animal irracional», «bestialização, embrutecimento», o termo animalização — associado ao francês animalisation (de meados do séc. XVIII), segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) — está registado no Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa (1963), de Silveira Bueno, como um dos derivados do verbo animalizar («animalizar + -ção»).
O facto de a palavra animalização se encontrar atestada pelo Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (1966), assim como o de estar dicionarizada1, não significa que seja uma figura de linguagem. Aliás, a nível da retórica e da estilística não existe figura de linguagem com essa designação. A mais semelhante é o animismo — que surge, muitas vezes, associado à personificação —, na medida em que este resulta da atribuição de características próprias dos seres animados a seres inanimados.2
Como aportuguesamento de uma palavra francesa — animalisation — de meados do séc. XVIII, é natural que tenha sido começada a utilizar em Portugal (e nos países de língua portuguesa) a partir desse século, uma vez que havia uma grande influência da cultura francesa nos espíritos cultos da época.
Como o realismo procura «mostrar a realidade tal como é e como deveria ser», o que implica um olhar atento e crítico da sociedade por parte dos escritores, é natural que este termo tenha sido utilizado por eles, porque transporta a carga negativa do embrutecimento humano. Sabemos que o poeta realista Cesário Verde usa, no poema Cristalizações, termos e expressões igualmente rudes e fortes para representar essa mesma realidade: «Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!», «Como animais comuns, que uma picada esquente,/Eles, bovinos.»
1 Fontes: Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (1966), Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo (1986); Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de António Morais e Silva (1987), Novo Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Texto Editores (2007).
2 Porém, note-se que nem todos os animismos são simultaneamente personificações (por exemplo, se a característica atribuída a um ser inanimado for própria de um animal e não de um ser humano), nem a personificação é sempre um animismo — por exemplo, se for atribuída a um animal irracional uma característica própria do Homem (Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia).