A análise sintática que o consulente nos solicita implica que se tenha em conta mais do que uma perspetiva gramatical.
Portanto, se nos limitarmos a seguir a gramática tradicional, o pronome demonstrativo o é considerado um «pronome substantivo, [uma vez que] vem determinado por uma oração» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 340). Assim, o é um elemento autónomo do pronome relativo que, introdutor da oração subordinada (adjetiva) relativa. Perante esta análise, o predicativo do sujeito seria o pronome o, tal como nos afirmam Cunha e Cintra: «o pronome demonstrativo o (= aquilo) funciona como predicativo» (idem, p. 136), dando como exemplos:
«Cada coisa é o que é.» (Fernando Pessoa, Obra Poética, 175)
«Eu era o que eles me designassem.» (Nelida Piñon, O Calor da Coisas, 13)
Segundo esta perspetiva, «que não lhe falta» é classificada como oração subordinada adjetiva, pelo facto de ser «introduzida por um pronome relativo que) e exerce a função de adjunto adnominal de um pronome antecedente [o = aquilo] (idem, p. 598).
No entanto, vários linguistas consideram que a sequência «o que» forma uma unidade (Peres e Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1995, p. 293), um todo ou único constituinte (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003. p. 682), ou seja, um «só morfema, de natureza nominal» (idem, p. 675), formando um constituinte contínuo em que «o que» é a combinação de SN (sintagma nominal), iniciador das relativas livres (idem, p. 682).
Ora, «o que», embora seja entendido como um morfema de natureza nominal, por si só, não nos parece poder ser considerado como predicativo do sujeito, porque, embora seja «um constituinte que ocorre em frase com verbo copulativo», não «predica algo sobre o sujeito» (Dicionário Terminológico).
Portanto, se tivermos como referência estes dados, em que se encara «o que» com marcas de sintagma nominal (com caráter substantivo), poder-se-á considerar somente a oração «o que não falta» como predicativo da oração subordinante1.
Nota: Repare-se que na frase «Amigos é o que não lhe falta», o verbo (no singular) concorda com o predicativo e não com o sujeito (amigos), o que nos poderia levar a colocar a hipótese de se poder considerar a possibilidade de alteração da ordem da frase: O que não lhe falta ...», o que inviabilizaria a classificação de predicativo (que seria «amigos»). Mas para que tal pudesse ser possível, como sujeito da frase seguinte, o verbo deveria estar no plural, como nos indicam Cunha e Cintra: «O verbo ser concorda com o predicativo, quando o sujeito [do verbo ser ]é um dos pronomes isto, isso, aquilo, tudo ou o (=aquilo) e o predicativo vem expresso por um substantivo no plural: O que há de novo nelas são as cores» (Cunha e Cintra, ob, cit., p. 502). A frase teria de ser, então «O que não lhe falta são amigos».
1 Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (37.ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 2009, pp. 468-470) defende que, pelo facto de a oração de relativo sem antecedente expresso poder exercer as funções próprias das substantivas originais, se deve analisar tais orações como substantivas, estranhando a não aceitação de alguns gramáticos da substantivação nestes casos, analisando-as a subordinada como adjetiva.