DÚVIDAS

As origens do Português e outras questões

   Sou um interessado pelas origens da língua portuguesa.
   Agradeço a atenção dispensada para o esclarecimento de dúvidas de um pesquisador amador.
   1. Qual a importância do estudo histórico do desenvolvimento do Império Romano para a compreensão de características existentes hoje na nossa língua?
   2. Quais as diferenças entre os conceitos influências de substrato, influências de superstrato e influências de adstrato? O que há de político e o que há de lingüístico em cada um deles?
   3. Quais os critérios para a divisão da România em três grandes blocos, Ocidental, Oriental e Intermediária?
   4. O que entende-se por unidade e variabilidade na modalidade vulgar do latim?
   5. Em que consiste o termo România?
   6. Qual o conceito de Latim Cristão? Qual a relação existente entre os conceitos "unidade" e "variabilidade", quando postos diante do conceito de influência de substrato?
   7. Quais os efeitos positivos e negativos do processo de romanização?
   8. Quais os procedimentos dos métodos de trabalho (método histórico-comparativo, estudo das fontes escritas do latim vulgar, estudo comparado das línguas românicas e dialetologia) empregados desde o final do século passado na tentativa de estabelecer a familiaridade entre o latim e as línguas românicas?
   9. Considerando ambas as possibilidades de realização da comunicação em língua latina (fala e escrita), qual foi o responsável pelos fatores de dialetação e qual foi o responsável pelos fatores de manutenção ou coesão do latim durante a sua existência?

Resposta

   Vou procurar responder sucintamente às nove perguntas formuladas: (para mais pormenores ver o m/ livro O Português entre as Línguas do Mundo, Liv. Almedina, Coimbra, 1982)
   1. O facto de a romanização ter durado muitos séculos na região que viria a ser Portugal explica as grandes afinidades do português com o latim. A invasão romana fez-se logo a seguir à 2.ª guerra púnica, e o domínio romano durou até às invasões dos Bárbaros, o que favoreceu larga aprendizagem da língua latina, tornando-se o português para muitos a língua românica mais semelhante ao latim.
   2. O substrato, ou seja a língua ou línguas existentes na altura da invasão romana, é incontestável ter influído grandemente nas línguas românicas. Na Península falava-se o céltico, e o latim vulgar suplantou este ajudado pelo seu parentesco com ele, embora as línguas dos Lusitanos e dos Celtiberos tivessem durado muito tempo. O superstrato, no nosso caso as línguas dos Bárbaros, especialmente o visigodo, e a dos muçulmanos, exerceram influência sobretudo no vocabulário, quer comum, quer nos nomes próprios. O adstrato, no caso das línguas peninsulares reduzido apenas ao basco, porque foi a única língua pré-romana que permaneceu, também só teve influência no léxico, com algumas palavras, como manteiga e esquerdo, mas no castelhano teve notável influência fonética.
   3. A România Ocidental caracteriza-se pelos plurais em -s (português, espanhol, catalão, provençal, francês) e a Oriental pelos assigmáticos, isto é terminados em vogal (italiano e romeno). Claro que existem zonas intermédias, actualmente sem relevo.
   4. O latim, na sua forma vulgar ou popular, a que nos interessa, era bastante homogéneo, mas existia certa variabilidade, causada sobretudo pelos diversos substratos, que ocasionou o surgir das diversas línguas românicas.
   5. România é como se chama toda a região onde se falavam modalidades da língua latina vulgar, e romanço (ou romance) é genericamente a língua de toda a România desde o século VII ou VIII até ao aparecimento das línguas românicas.
   6. Latim cristão pode ser a denominação do latim literário acolhido nos mosteiros depois da irrupção dos Bárbaros, que causou a decadência das escolas e da cultura intelectual. A 2.ª parte desta pergunta já teve acima a sua resposta.
   7. Do ponto de vista linguístico, o processo de romanização levou ao desaparecimento de várias línguas preexistentes, como o céltico peninsular e o ibérico, na Península Ibérica, e, no que respeita à Roménia, p. ex., o dácico, e à França o gaulês.
   8. A sua pergunta já dá a resposta. Para estabelecer a evolução do latim para as línguas românicas, tiveram estas de ser comparadas entre si e com o latim, quer clássico, quer vulgar (para este último sobretudo o das inscrições). Aquilo que se fez para o efeito é quase o mesmo a que procede a dialectologia, quando estuda as diversas formas que algumas línguas assumem (dialectos), como a França ou a Itália, formas essas que não impedem geralmente a compreensão dos falantes dumas e doutras.
   9. Como se depreende das respostas anteriores, o principal factor de dialectação do latim vulgar ou popular foi constituído pelos vários substratos, adstratos e superstratos existentes no Império Romano. O responsável pela coesão genérica do Latim foi a cultura menor ou maior dos povos dominados, a maior duração da romanização, em casos como o das Penínsulas Ibérica e Itálica, que levou a que, designadamente na Hispânia, tivessem florescido grandes escritores e professores da língua latina, como os dois Sénecas ou Quintiliano.

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