DÚVIDAS

Os dias da semana e os tempos verbais

Dirijo-me a Ciberdúvidas para pedir a gentileza (caso seja possível) de me esclarecer se os nomes dos dias da semana são ou não compatíveis com determinados tempos verbais usados, abaixo mencionados.

A minha primeira pergunta é se o nome do dia da semana, que desempenha outra função que não o sujeito, é considerado sintagma nominal ou adverbial. Assim, na frase:

«Quinta-feira foi ao teatro.» «Quinta-feira» é sintagma adverbial, ou sintagma nominal?

As minhas outras duas questões partem da frase: «Segunda vou ao teatro.»

Foi-me explicado que a diferença entre «na segunda-feira» e «segunda-feira» (informalmente: «na segunda» ou «segunda») consiste no facto de a forma segunda(-feira) só referir a (+a) segunda-feira que antecede ou segue imediatamente ao momento de enunciação. Caso esta afirmação seja válida, quereria verificar, se percebi e deduzi bem, os seguintes dois pontos:

1. As frases abaixo mencionadas são consideradas agramaticais porque os eventos não são localizados no espaço iminente do Ie (momento de enunciação)?

Veja-se os seguintes exemplos:

* «Terça tinha ido/fora ao teatro.» Pretérito mais-que-perfeito (Ij – símbolos usados em Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et. al.: 1989).

* «Terça ia/costumava ir ao teatro.» Tempo Ik imperfeito do passado (não no sentido do condicional).

* «Terça viajarei a Londres.» Tempo Ip (mas no sentido de futuro do futuro: na próxima terça-feira, não na terça-feira da semana corrente).

2. Como se reflete a iminência do evento localizado pelo nome do dia da semana, núcleo do sintagma, no discurso relatado?

Se desejar transmitir para o discurso relatado a seguinte frase:

«Segunda(-feira) fui/vou ao teatro» (neste caso segunda, sim, antecede ou segue imediatamente o momento de enunciação), qual seria o resultado? Como se mudam estas expressões adverbiais no discurso relatado que tem que ver com a ordenação temporal, quando o termo-origem da localização temporal do enunciado produzido não contém a enunciação pelo João?

João: «Segunda vou ao teatro.»

discurso relatado:

«O João disse que segunda(-feira) tinha ido/iria ao teatro»?

Ou

«O João disse que na segunda(-feira) tinha ido/iria ao teatro»?

Ou

«O João disse que na segunda(-feira) passada/próxima tinha ido/iria ao teatro»?

Agradeço-lhe, desde já, a disponibilidade de me explicar as questões levantadas. Todas as opiniões, todo o apoio linguístico que me proporcionarem são sempre muito preciosos para as minhas análises.

Resposta

1. «Quinta-feira foi ao teatro.»

Como já tem sido referido no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados), a descrição linguística do português regista, como acontece noutras línguas, a existência de grupos nominais (ou sintagmas nominais) de localização temporal com interpretação adverbial (cf. M.ª Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 166/167) — é o caso de «quinta-feira» em «quinta-feira vou ao teatro». No entanto, há investigadores (por exemplo, Telmo Móia) que argumentam que esses grupos nominais são grupos preposicionais num nível mais abstrato de análise (ibidem).

A ocorrência de grupos nominais com função adverbial não se limita aos dias da semana, podendo verificar-se também com outros nomes relativos ao calendário como semana, mês, ano:

(1) «Esta semana/este mês/este ano mudei/vou mudar de casa.»1

2. «Segunda vou ao teatro.»

Intuitivamente, direi que, de facto, o uso dos dias da semana em grupos nominais de valor adverbial é feito em referência ao momento em que se fala (momento da enunciação). Se digo «segunda vou ao teatro», quero referir-me à segunda-feira imediatamente posterior ao dia em que falo. Perante uma frase «segunda-feira saí mais cedo», quero com isso significar que saí mais cedo na segunda-feira imediatamente anterior ao dia em que falo. Deste modo, as frases que a consulente apresenta como agramaticais (ponto 1 da pergunta: «terça...») são realmente muito marginais quanto à sua aceitabilidade, dado que os tempos verbais que aí ocorrem (mais-que-perfeito, imperfeito) não permitem localizar o adverbial «terça» em relação ao dia em que ocorre o momento da enunciação.

Contudo, há certas exceções. Por exemplo, os nomes dos dias da semana podem ocorrer como localizadores temporais em discurso relatado, podendo a localização temporal ser relativa a outra expressão de localização temporal, como ilustram os exemplos em (3) e (5).

(2) OK «Segunda vou ao teatro.»

(3) OK «Nesse dia, ele disse que segunda iria ao teatro.»

(4) OK «Segunda fui ao teatro.»

(5) OK «Nesse dia, ele disse que segunda tinha ido ao teatro.»

Uma consulta do Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira indica também que nomes de dias da semana sem artigo e não preposicionados podem ser usados como adverbiais de frequência, em contexto narrativo:

(6) «Sábado de tarde Senhora ficava horas e horas na salinha das contas preparando a féria dos homens [...].» (Dinah Silveira de Queiroz, A Muralha, 1954)

A leitura que se associa a «sábado de tarde» em (6) não é a de um único dia de uma dada semana, mas, sim, a de repetição de uma atividade num dado dia da semana, sendo a expressão nominal parafraseável por estas outras expressão nominais de sentido iterativo: «todos os sábados de tarde» (sem preposição) e «aos sábados de tarde» (com preposição).

1 O linguista Sérgio Matos, no artigo "Algumas considerações sobre adverbiais de localização e quantificação temporal" (Revista da Faculdade de Letras — "Línguas e Literaturas", Porto, 2000, págs. 175-201), fala em localizadores temporais dícticos (ou deícticos) na discussão relativa aos tipos de adverbiais de localização temporal.

Cf. Por que razão não chamamos «primeira-feira» à segunda-feira?

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