DÚVIDAS

Saco e saca

Como explicar, de forma convincente e com base morfossintática sólida, a mudança da vogal temática de o para a no par saco/saca, sendo que a origem etimológica comum remonta ao latim saccus, -i, e ainda mais remotamente ao grego sákkos e ao hebraico sak, todos invariavelmente com vogal final fechada e masculina?

Estaríamos diante de um fenômeno morfológico legítimo ou de uma analogia sem base histórica consistente?

Obrigado.

Resposta

A alternância entre os índices temáticos -a e -o tem certa produtividade para indicar diferença de forma entre os referentes de substantivos concretos. É um processo legítimo, que não tem de ser legitimado pela etimologia mais remota 

Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (39.ª edição, 191/940), no capítulo onde fala sobre a formação do feminino e os valores associados a este género, observa o seguinte:

«É pacífica, mesmo entre os que admitem o processo de flexão em barcobarca e loboloba, a informação de que a oposição masculino – feminino faz alusão a outros aspetos da realidade, diferentes da diversidade de sexo, e serve para distinguir os objetos substantivos por certas qualidades semânticas, pelas quais o masculino é uma forma geral, não marcada semanticamente, enquanto o feminino expressa uma especialização qualquer:

barco / barca (= barco grande)

jarro / jarra (um tipo especial de jarro)

lobo / loba (a fêmea do animal chamado lobo)» 

Atualmente, pode parecer discutível defender que a forma de masculino é forma geral. Em todo o caso, importa assinalar que, geralmente, a forma com -a indica um objeto ou uma entidade de maior volume relativo. A forma de masculino pode denotar o objeto de menores dimensões e pode ser formado a partir da forma de feminino, como parecem confirmar as notas etimológicas do Dicionário Houaiss:

bolso < bolsa

cesto < cesta

chinelo < chinela

jarro < jarra

mato < mata

pipo < pipa

saio < saia

Há outros casos (ibidem) em que o sentido da derivação é inverso, como é o caso de saco > saca, a que se junta:

cântaro > cântara (cântaro mais largo; hoje é termo parece pouco usado, a não ser no diminutivo cantarinha)

manto > manta (embora esta relação se afigure incerta)

rio > ria (golfo ou baía que remata, alargando-se, a foz de um rio)

A estes casos, somam-se os dos nomes de certas árvores, num uso que parece mais característico de certos falares regionais de Portugal: carvalho > carvalha (carvalho grande e isolado); sobreiro > sobreira (sobreiro grande e isolado).

Há ainda casos em que a alternância remonta muito provavelmente ao latim, com o contraste semântico-referencial nem sempre relacionável com dimensões: fruto/fruta, barco/barca.

Em espanhol, acontece algo de semelhante, se bem que não da mesma maneira, em especial, quanto aos nomes de árvores.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa